sexta-feira, 10 de abril de 2009

traduceiro

A MORTE DE OLIVIER BÉCAILLE


Foi num sábado, às seis horas da manhã, que morri, após três dias de enfermidade. Minha mulher remexia há alguns instantes na mala, procurando roupa de cama. Quando se endireitou e me viu rígido, os olhos abertos, sem respirar, acorreu, achando que se tratava de um desmaio, tocando-me as mãos, inclinando-se sobre meu rosto. Em seguida foi tomada pelo terror; e, transtornada, gaguejou, explodindo em lágrimas:
- Meu Deus! Meu Deus! Ele está morto!
Eu ouvia tudo, mas os sons esmaecidos pareciam vir de muito longe. Só meu olho esquerdo ainda enxergava um clarão confuso, uma luz esbranquiçada onde os objetos se fundiam; o olho direito encontrava-se completamente paralisado. Acontecera uma síncope de todo o meu ser, como que um raio me aniquilara. Minha vontade morrera, nem uma fibra de minha carne obedecia-me. E, nesse vazio, acima de meus membros inertes, apenas o pensamento permanecia, lento e preguiçoso, mas com perfeita nitidez.
Minha pobre Marguerite chorava de joelhos junto ao leito, repetindo, a voz dilacerada:
_ Ele está morto, meu Deus! Ele está morto!
Então aquele estado singular de torpor, aquela carne atingida pela imobilidade, enquanto a inteligência continuava funcionando, era a morte? Será que minha alma estaria se demorando assim no meu crânio antes de alçar vôo? Desde a infância eu era sujeito a crises nervosas. Por duas vezes, ainda bem jovem, quase fui levado por febres agudas. Em seguida, ao meu redor, todos se acostumaram a me considerar doentio; e eu mesmo proibira que Marguerite fosse chamar um médico quando me deitei na manhã em que chegamos em Paris naquele apartamento mobiliado na rua Dauphine.
Um pouco de repouso bastaria, era o cansaço da viagem que me deixava assim tão abatido. No entanto sentia-me tomado por uma terrível angústia. Havíamos abandonado bruscamente nossa província, muito pobres, mal tendo como aguardar meu salário do primeiro mês de trabalho na administração em que conquistara um posto. E eis que uma crise súbita me arrebatava!

(Émile Zola, A Morte de Olivier Bécaille, seguido de Nantas e A inundação, Tradução de Marina Appenzeller, L&PM Editores, 1997, fragmento, p. 7 e 8)

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