sábado, 11 de abril de 2009

da cadeira do sonho

(D. Quixote, de Pablo Picasso)


"pseudotórax"


A casa dos sonhos não era a da minha avó, de madeira verde e pobre demais para os meus projetos de infância, cujos pés amarrados na Rua Tira-Dentes 107, faziam força para cortar as raízes de barro. A casa dos meus sonhos era a que ficava bem antes da subida do Estádio do Grêmio Santanense, na mesma rua, mas distante dos paralelepípedos esburacados que forravam a tristeza encardida dos meus cadernos de primeira série. Soava-me uma mansão de ricos quando, saída da escola, passava à sua frente e um dos seus moradores, meu colega de aula, nela entrava sem que eu pudesse ver um pedaço da sala, dos móveis, dos quadros ... Tudo na casa se escondia de mim exceto o horror de uma porta que se abria, engolia um menino e se fechava.
No sonho a mansão estava aberta. Eu podia ver seus quadros de santos que dormiam nas paredes resignadas, podia me espantar com as imagens dos mártires parados, lado a lado, sem espaço para um estender de braço na fila onde deus mandasse fazer “sentido”. Vasos riscados de carvão se estendiam silenciosos até o céu.
Do lado de fora, as paredes de óleos azuis furtados avisavam-me da loucura da dona da casa, mulher de cera que contemplava o ruído sempre igual saído de pulmões de poetas fatigados. Seus dentes manchados de sangue jamais revelaram o segredo das chaves.


(de eliane marques)

Um comentário:

Anônimo disse...

COMO VAI ELIANE? OLHA GOSTEI MUITO DO QUE ESCREVESTES, PENSO QUE VOCÊ A CADA DIA SUPERA-SE, NOS MOSTRA UM MUNDO IMAGINÁRIO NOS FAZENDO ENTRAR NELE COMO SE FOSSEMOS PERSONAGENS.