sexta-feira, 3 de abril de 2009

psicoanálise & direito




O SUJEITO ESQUERDO

Parte 2


As diversas formas de sujeitos falados pelo Direito encontram seu lugar no conceito de eu (moi, para Lacan). Freud qualificou essa demonstração de pluralidade interna de ferida narcisística visto ser mortificante constatar que a imagem de si mesmo, o eu no qual um gosta de se reconhecer, é um fantoche (pelele) e não um rei.

O filho da Psicoanálise explica que o humano sofrera três feridas narcisísticas profundas:

a) a Revolução Copernicana, “percebo o sol e seus movimentos, articulo-me com noções ditadas por meus sentidos, sirvo-me da Teoria Ptolomeica na qual, com esse conjunto de noções, construo um sistema imaginário; contudo, o mais evidente para mim (para o humano), mostra-se como mera ilusão, o mais evidente em mim, os meus sentidos, não conhecem da realidade se não aquilo que delas padecem”;

b) a Revolução Darwinista, “o homem que se considerava o centro da cadeia biológica perde seu lugar e agora é apenas uma corrente da cadeia entre os seres vivos”; e

c) a Revolução Freudiana, ou seja, a produção da Teoria do Inconsciente, que descentra o sujeito da consciência e o supõe determinado por um sistema mais arcaico, que não apenas se diferencia da consciência, senão, também, que a determina e produz.

Menassa, ao fazer uma retrospectiva das rupturas produzidas na ou pela humanidade refere que Kant também produz uma ruptura porque num mundo onde o conhecimento provinha dos objetos – e os objetos eram divinos – insere o filósofo, ou seja, um sujeito cognocente, gerando pela primeira vez na história do conhecimento a possibilidade de acercamento ao mecanismo de sua produção.

Na Crítica da Razão Pura, diz Menassa, Kant abre a possibilidade de se produzir um campo teórico-filosófico que dê conta dos processos do pensamento.

Quando Freud retoma Kant, continua Menassa, parte do lugar onde esse diz ter produzido, ele mesmo, uma Revolução Copernicana, ao colocar dentro do campo epistemológico pré-Kantiano, no qual o conhecimento estava no objeto - e em virtude disso eram essenciais, ou seja, tinham uma essência - um sujeito cognoscente, trazendo ou produzindo o conhecimento.

Menassa segue dizendo que, nesse sentido, Spinoza dá um passo a mais, quando conclui não haver conhecimento sem transformação do objeto na operação de conhecimento. Desse ponto partiriam todos os desenvolvimentos materialistas, tanto da Escola de Paris como da Escola de Frankfurt, apesar de suas diferenças.

Lacan foi o primeiro a utilizar a expressão “sujeito dividido” como sinônimo da estrutura que permite apreender o sujeito falado. Não se trata da existência de dois sujeitos, um consciente e outro inconsciente, senão que o sujeito não se revela jamais se não em sua divisão, ou seja, na linguagem.

O sujeito nunca é pleno, identificado localizado, não tem lugar e tampouco identidade (jamais poderá ser o proprietário ou o sem – teto para o qual se dirigem regras certas do Código Civil ou do Estatuto da Cidade ou do Estatuto da Terra, por exemplo).

O sujeito do inconsciente está ligado a uma pulsação, a uma abertura que se fecha nem bem é apreendida pela consciência.

Tudo que se qualifica como estável, identificado, delimitado, representado, situa-se no registro do eu (moi), enquanto o sujeito se caracteriza, ao contrário, pelo que é da ordem do corte e do intervalo.

Não há discurso, enunciado ou significante que confira ou garanta ao sujeito uma identidade, não há sentido último que permita ao sujeito religar-se ao mundo.

Há um saber inconsciente que se revela na vida cotidiana (lapsos, atos falhos, sonhos, sintomas). Mediante uma inversão da sabedoria ordinária, que constrói primeiro um sujeito antes de se conduzir até sua verdade, a Psicoanálise deduz o sujeito de um saber do qual ele não se sabia depositário.

Para a novel Ciência, não há o chamado “sujeito de palavra” - aquele que honra sua palavra ou a palavra dada; o que há é o sujeito que se reconhece numa fresta eximida de sustentar o que enuncia.

Franck Chaumon explica ser el psicoanálisis una cura de desposeimento, un acto de desprendimiento que da rienda suelta a la cadena significante, de donde podrá revelarse un saber.
Eliane Marques

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