terça-feira, 30 de junho de 2009

grupo de poesia

FRAGMENTOS DE UM DIA
Cava o escuro a tristeza da árvore
que cresce na minha guerra.
(de Lúcia Bins Ely, produzido no encontro do Grupo de Poesia Cero do dia 27 de junho de 2009)

verso b

REFLEXÃO


Está fora
de meu alcance
o meu fim

Sei só até
onde sou

contemporâneo
de mim

(Ferreira Gullar, da Revista águaviva n° 6, 2004, Grupo Cero)

frase feita




"Uma emoção sempre trata de deter o sentido, um sentido em transformação não permite emoção alguma."

(Miguel Oscar Menassa, in El Oficio de Morir, Biblioteca Nueva, Madrid, 1983)



domingo, 28 de junho de 2009

poema de bolsa

ANJOS E DEMÔNIOS

Estive no céu e no inferno.
Todo anjo
é em verdade sinistro
e há demônios
de completa inocência.

Da torre de marfim
onde agonizam
os sonhos e os deuses,
sobrevoo voraz
e me pergunto
que cálices contêm
os ternos frutos do consolo.


(de Inês Barrio, poeta e psicoanalista do Grupo Cero Buenos Aires, do livro Claveles Españoles, Editorial Grupo Cero, 2003)

+ psicoanálise



Independência total da família, sobre tudo da imaginária.

(Miguel Oscar Menassa, Aforismos y Decires, 1958-2008, Editorial Grupo Cero)

sessão desvelada

MARCOS


Campainha...

- Olá Ana, te liguei para trocar de horário, queria vir antes... comecei a entender algumas coisas que preciso analisar ... posso me deitar?
- Sim, claro, deita-te!!!
- Estive pensando que não tenho motivos nem para me matar nem para matar outros.
- E que motivos querias ter?
- Como é que me perguntas isso?? Claro que não tenho motivos, porém, como é que vou matar sem motivos, sem odiar a ninguém, sem ter problemas econômicos, sem estar numa encruzilhada sentimental entre minha mulher e outra, não tenho em vista nenhuma enfermidade que me ponha em risco e não suporte agüentar até o final, ninguém me disse que deveria apressar algo, produzir algo
- Que quer produzir, te escuto.
- Não sei. Nada, mas estou atormentado, tenho uma espécie de indiferença, e horror, em todas as coisas. Mas tampouco sei se é isso... ontem li no jornal uma notícia que me atormentou mais: 3 jovens assassinados num descampado, mataram os 3 a sangue frio e não se conhecem os motivos... isso me atormentou... algum motivo deve haver... como vão matar esses jovens só por que sim... como um jogo? ... Há um jogo da morte não??
- Não sei, me conta o que pensaste?
- Um jogo como o da roleta russa, parecido, algo onde alguém morre por jogar ... nem apostam dinheiro, nem nada, claro, se paga com uma vida.
- Todos pagamos com a vida a vida.
- Sim, mas isso é o normal, por que não poderei pensar normal?? Quando eu era pequeno meu velho dizia: somos uma família normal... e normais não éramos, depois dizia: Não podemos viajar tão seguido por que somos pobres... e éramos mais ricos que todos os do bairro e viajávamos à Europa todos juntos uma vez ao ano e à nossa casa de praia todos os verões e os finais de semana à quinta dos Manzanares... vivemos confusos... agora estou vivo, quem sabe até apaixonado por minha mulher, amo meus filhos e estamos mais vivos que nunca, ando transtornado acreditando que vou morrer ... medroso em demasia.
- “ O amor que havia nos privado de coisas imortais...”
- O que disseste? Como é isso?
- Me lembrei desse poema
- Sim, mas como é?? Não entendo Ana: O amor priva de coisas imortais?? Não sei o que tu queres me dizer, mas estou muito impactado... posso ir?
- Sim, nos vemos amanhã
- Obrigada, até amanhã.


Marcela Villavella

sexta-feira, 26 de junho de 2009

moonwalk


+ psicoanálise


As grandes coisas se fazem lentamente.

(Miguel Oscar Menassa, Aforismos y Decires, 1958-2008, Editorial Grupo Cero)

era uma vez...

ÁGUA COM FIDEO

A vida, encruzilhada de caminhos de partida; os sofrimentos, roupeiro antigo que, repleto de saias brancas e engomadas, um magro escravo de ganho carrega ladeira à cima. De menos, apenas o marido andrajoso encharcado de álcool cuja profissão é fazer do fogo amargura a lançar-se de um trapézio sobre a metade do mundo.
Das sombras que foram realidade na infância, se anuncia a peste no seu conhecido espírito de pássaro que teima em combater os muros: recolhe os cinco filhos que catam anjos numa velha catedral e os embarca, com ela, num vôo de linhas férreas – “só de ida” – para Montevidéu, morada de sua irmã, Negrinha.
Sabia fazer de tudo e falar de nada. Isso era o normal entre as negras da fronteira: lavar (as roupas fantasmas sobre as árvores do céu), cozinhar (o assassino que atira balaços em seus perseguidores), planchar (a luz cansada do andar), limpar a casa (de paredes sonolentas, frias e fofoqueiras), passar fome (e crer que as flores são berços de gigantes), cuidar de crianças (niños de oro de otros), dormir tocada pelo destino do vento, ouvir desaforos e calar, como cala a cristaleira depois que um mordomo de sangue azul se lhe guarda a falsa prataria. Com todos esses adjetivos, logo se empregou de doméstica numa casa de família. As cinco crianças passam a ser cuidadas pela Negrinha que, sendo mãe de Santo, reconhece o diabo naqueles anjinhos de barro.
A Exorcista, gorda e barriguda, se alimenta da melhor comida feita por suas filhas (de santo). Depois de se fartar e lamentar o próximo passo, arrota arroz com alho e, lentamente, seus pés de chumbo a levam à cozinha. Ela mesma prepara uma grande porção de massa com água que despeja da panela numa bandeja poeirenta. Saída do santuário da gula, manda os anjinhos se acomodarem no chão da sala, em torno dela e de joelhos, como se estivessem diante de uma grande rainha merecedora de reverências e agradecimentos por sua bondade. Depois de todos sentados, a Majestade ordena que abram a boca e, com uma grande colher de pau, tira o fideo da bandeja e, com raiva, enfia na boca das crianças. Aquela colher cheia de massa com água circula de boca em boca sem que ninguém tenha o direito natural de esfriá-la ou de mastigá-la. Apenas as frases “come, louco de fome, andá, andá, comê... comê, callate hijo da puta” são engolidas a seco. Bem, assim deve ser. As cucharradas de fideo aguado se convertem na única refeição diária dos niños hambrientos.
Depois do almoço a ordem da Mãe de Santo é para que se retirem da casa os demônios. A porta da rua é a única serventia da casa.
Aquela expulsão habitual faz mais feliz o José do que a própria Dona da Casa. Se ela manda para la puta que los parió os muertos de hambre, ele ganha a oportunidade de mostrar os seus dons artísticos no Palácio Peñarol, uma espécie de precursor dos free-shops daquela Montevidéu de plata quemada.
O show começa com cantoria, geralmente um samba, seguem-se passos de capoeira e bater de tambor. Os hermanos gostam do espetáculo e atiram moedas aos morochos que ainda improvisam sotaque carioca para elevar o cachê.
Dormir num porto, e outro porto, e outro porto. Andar com o peso das trouxas de roupa no lenço alisado, em cada passo, em cada porto, 1 covardia e 1 brutalidade, 1 pequena vida e 1 ínfima morte.
A vida com a Mãe de Santo fora mais complicada do que pensara a Idalina e suas mãos pesadas do ferro das panelas que cai sobre os filhos ao menor sinal de malcriação.
Presa do abismo em noite de cárcere, recolhe os quatro filhos dos muros leprosos da velha cidade e se refugia na casa do Gabriel, outro irmão de diáspora que mora nas proximidades do cemitério em Montevidéu.
Ele despossui 1 casa de 1 cômodo, 6 filhos pequenos, 2 pernas que tremem como cortinas que se fecham, 10 sonhos fracassados, 20 cartas de amor rasgadas, 30 cadáveres de marinheiros e 1 mulher grávida.
A vida, encruzilhada de caminhos de partida, fez de Idalina retorno de fronteira e rua tortuosa de presságio indizível, a quem se deve coroa acarvoada, nudez de céu e a gruta de candelabros onde dorme essa mulher envolta em seus descabelos.
De volta à fronteira o Cerro de Palomas lhe sorri por que dela escuta o dobrar dos vulcões e a angústia nascida do que não se pode.
Eliane Marques (com algumas adapatções de versos de Vicente Huidobro)


traduceiro




Amo as horas sombrias de meu ser,
nas quais se me aprofundam os sentidos:
nelas eu tenho achado, como em velhas cartas,
meu dia-a-dia já vivido, e feito
alguma lenda distante e sofrida.
Delas me vem a noção de que tenho
lugar numa outra vida mais ampla e finita.

E eu às vezes me sinto feito a árvore
que, sobre um túmulo, madura e ciciante,
preenche o sonho de algum morto jovem
(a cuja volta ela aperta as raízes mornas)
perdido entre amarguras e cantigas.

(Rainer Maria Rilke, de O livro das horas, tradução de Geir Campos, Civilização Brasileira)

quinta-feira, 25 de junho de 2009

+ psicoanálise

(Caravaggio)

Sou meu próprio mal, meu comandante cego.

(Miguel Oscar Menassa, Aforismos y Decires, 1958- 2008, Editorial Grupo Cero)

confábulas

FUI ENTÃO
Fui então uma serpente que atravessava as areias sibilantes e elétricas. De novo espantei feras e pássaros, e entrei com selvagem fúria em sua cavidade. Mais uma vez senti o vulcão de carne, que se afundava até o centro da terra. Depois fui peixe-espada.
Depois, polvo, com oito tentáculos que entraram sucessivamente na deidade, e sucessivamente foram devorados pelo vulcão da carne.
A deidade voltava a uivar e voltava a esperar meus ataques.
Fui então vampiro. ...

(Sobre Heróis e Tumbas, Ernesto Sábato, Círculo do Livro)

diários

BRECHT


24 DE OUTUBRO DE 1921


É a cidade dos janotas. Pó de arroz, carne, sensação. Asfalto liso, ruas lineares. Rostos de tricô. Franceses com orquestras de negros, cães, janotas. Cafés iluminados, preços de fábula, caras más, uma cidade na vitrina. E também entediante.

(Diários de Brecht, L&PM)

quarta-feira, 24 de junho de 2009

psicoanálise em recortes


(Da Vinci)


Somente caminhando se sabe onde se tem que ir.


(Miguel Oscar Menassa, Aforismos y Decires, 1958 – 2008, Editorial Grupo Cero)

quarta-com-cortázar

INSTRUÇÕES PARA CHORAR

Deixando de lado os motivos, atenhamo-nos à maneira correta de chorar, entendendo por isto um choro que não penetre no escândalo, que não insulte o sorriso com sua semelhança desajeitada e paralela. O choro médio ou comum consiste numa contração geral do rosto e num som espasmódico acompanhado de lágrimas e muco, este no fim, pois o choro acaba no momento em que a gente se assoa energicamente.
Para chorar, dirija a imaginação a você mesmo, e se isto lhe for impossível por ter adquirido o hábito de acreditar no mundo exterior, pense num pato coberto de formigas e nesses golfos do estreito de Magalhães nos quais não entra ninguém, nunca.
Quando o choro chegar, você cobrirá o rosto com delicadeza, usando ambas as mãos com a palma para dentro. As crianças chorarão esfregando a manga do casaco na cara, e de preferência num canto do quarto. Duração média do choro, três minutos.

(Histórias de Cronópios e de Famas, Julio Cortázar, Círculo do Livro, São Paulo)

terça-feira, 23 de junho de 2009

verso b

CONFESIÓN

Esperando a la muerte
como un gato
que saltará sobre la
cama.

Estoy apenado por
mi esposa.
Ella verá este
cuerpo
rígido
y blanco.

Lo sacudirá una vez, entonces
quizás de nuevo:
"Hank"
Hank no
contestará.

No es mi muerte lo que
me preocupa, es mi esposa
sola con esta
pila de nada.

Quiero que sepa
que todas las noches
durmiendo a su lado.
Incluso las discusiones
inútiles
fueron cosas
espléndidas.

Y las duras
palabras
que siempre tuve miedo de
decir
pueden ahora ser
dichas:

"Te amo"
(Poema de Charles Bukowski, colaboração da psicoanalista Marcela Villavella)

frase feita




Cuida para não morrer antes de tua morte.

(Vicente Huidobro)

+ psicoanálise

E há outro tipo de amor (diferente do amor narcisista) relacionado à sublimação, que parece ter a característica de ser um amor humano, no sentido de retirar da libido que já progrediu em mim, que já se fez objetal, a libido com a qual amo os objetos amorosos e em lugar de banhar meu eu com essa libido, produzo com essa libido produtos para quem não conheço e que não são. Ou seja, a característica do amor humano teria a ver com a compreensão do limite que põe a morte à vida material finita do homem e a libido que desenvolve a imortalidade da espécie humana.
Quer dizer, um homem que não aceita que vai morrer não é muito humano segundo esta teoria. Um ser humano é aquele que, mesmo que vá morrer, faz algo que possa servir a outras pessoas.

(de Miguel Oscar Menassa, in FREUD E LACAN – FALADOS – 1. Editorial Grupo Cero, Porto Alegre, 2007, colaboração da psicoanalista Lúcia Bins Ely )

domingo, 21 de junho de 2009

(Da Vinci)

A liberdade e a morte se parecem. O ódio e o amor vêm sempre mesclados.


(Miguel Oscar Menassa, Aforismos y Decires, 1958-2008, Editorial Grupo Cero)

poema de bolsa

GINSBERG

não estou de luto
falta
1 vestido negro

a matemática explica tudo
menos a fenda
da incerta daomé

quero perecer
o tempo impossível

nunca mais 1 sofá
e capitães
arautos da hora

tombarei quando quiser

1 relógio
compressa
entoa
toque de angola

cravo
em minha boca
que
rufa

cinco metades de lua
sob os compassos
de um morto

eliane marques


SESSÃO DESVELADA



EDUARDO



Campainha
- Olá Eduardo, bom dia.
- Não dormi bem à noite... E há duas noites atrás também não dormi bem.
- Está com insônia?
- Insônia ... Colocaste nome ao que chamei “não dormir bem”. É uma linda palavra para tanto incômodo, tanto desassossego.
- Está desassossegado?
- Eu desassossegado? Porque disse isso de mim. Não sei como associar. Nestes dias me ocorreram coisas estranhas que não sei como contá-las.
- Quem sabe não são estranhas, quem sabe são coisas que você não entende de sua vida.
- Pode ser... há coisas em minha vida que não entendo. Por exemplo, toda a semana estive com vontade de ver Mônica e sábado não quis fazer nada, fiquei sozinho em casa... não me entendo, às vezes quero tentar uma relação mais séria com ela e, às vezes, me assombra essa mulher. Me pede algo que não sei se não posso dar ou se não o quero dar.
- Há diferença?
- Isso é o estranho, não sei se a quero ou se preciso dela, e, ademais, ela me pede que a ame, mas eu creio que ela quer que eu a possua.
- Há diferença?
- Não sei. Gosto de seu perfume, gosto do modo como levanta as mãos quando se irrita comigo, gosto de quando fica indiferente e tenho que conquistá-la. Gosto, gosto muito. Mas ela insiste que não a amo o suficiente. Isso me desconcerta, o que é amar o suficiente uma mulher?
- Não sei Eduardo, o que não dorme por essa pergunta é você.
- Ja jajajaja... não se faça de a mulher comigo!!! Jajajaja.
- Melhor nos vermos na segunda-feira?


Marcela Villavella

sexta-feira, 19 de junho de 2009

(Da Vinci)

Seis horas tratando de arrancar um pensamento e nada.

(Miguel Oscar Menassa, Aforismos y Decires, 1958-2008, aforismo 996)

traduceiro

“ÁGUA EM ÚLTIMA INSTÂNCIA”


“Lembro vivamente um acontecimento dos primeiros anos. Talvez tu também te lembres. Uma noite eu pedia em forma plangente, incessante, que me dessem água; certamente, não era pelo fato de eu ter sede, mas em parte talvez para incomodar e em parte divertir-me. Depois de não ter surtido efeito algumas ameaças violentas, tiraste-me da cama, levaste-me à varanda e ali me deixaste um instante, em camisola, sozinho diante da porta fechada. Não pretendo dizer que isso era mau, talvez nesse momento realmente não se podia conseguir de outro modo tranquilidade durante a noite, mas desejo tomá-lo como exemplo para caracterizar teus métodos educativos e a influência destes sobre mim. Sem dúvida, depois fui obediente, mas sofrera um trauma interior. Nunca pude estabelecer, em relação com minha natureza, a conexão correta entre o evidente para mim do absurdo pedir água e o extraordinariamente terrível de me levarem para fora. Contudo, anos depois sofri diante da imagem atormentadora do homem gigantesco, meu pai, a última instância, que podia, quase sem motivo, vir de noite, tirar-me da cama, levar-me à varanda, e que, portanto, até esse ponto eu nada significava para ele.

(Franz Kafka, Carta a meu pai, livraria exposição do livro, tradução de Torrieri Guimarães, p. 17)

era uma vez...

1ª noite
das espantosas histórias das mil e uma noites
(continuação da 1ªparte, publicada em 15 de maio de 2009)


“ O tempo é composto de duas partes, uma pura, outra turva.
Pergunte a quem urdiu as idas e vindas do tempo:
será que o tempo só maltrata a quem tem importância?
Acaso não se vê que a ventania, ao formar as tempestades,
não atinge senão as árvores de altas copas?
De tantas plantas verdes e secas existentes sobre a terra,
somente se apedrejam aquelas que têm frutas;
nos céus existem incontáveis estrelas,
mas em eclipse só entram o sol e a lua.
Pois é, você pensa bem dos dias quando tudo vai bem,
e não temes as reviravoltas que o destino reserva;
nas noites você passa bem, e com elas se ilude,
mas no sossego da noite é que sucede a torpeza.”

Quando o mercador encerrou o choro e os versos, o gênio disse: “Por Deus que é imperioso matá-lo, mesmo que chore sangue, assim como você matou meu filho”. O mercador perguntou: “É absolutamente imperioso para você?”. Respondeu o gênio: “Para mim é imperioso”. E tornou a erguer a espada para golpeá-lo.
Então a aurora alcançou Sahrazad e ela parou de falar. A mente do rei Sahriyar ficou ocupada com o restante da história e, nessa primeira manhã, Dinarzad disse à irmã:” Como são belas e espantosas as suas histórias!” Respondeu Sahrazad: “Isso não é nada perto do que vou contar na próxima noite, caso eu viva e caso este rei me poupe. A continuação da história é melhor e mais espantosa do que o relato de hoje”. E o rei pensou: “Por Deus que eu não a matarei até escutar o restante da história. Mas na próxima noite eu a matarei”. Depois, quando bem amanheceu , o dia clareando e o sol raiando, o rei se levantou e foi cuidar do seu reino e de suas deliberações. O vizir, pai de Sahrazad, ficou admirado e contente com aquilo. E o rei Sahriyar ficou distribuindo ordens e julgando os casos apresentados até o cair da noite, quando entrou em casa e se dirigiu para a cama acompanhado por Sahrazad. Dinarzad disse à irmã: “Por Deus, maninha, se acaso você não estiver dormindo, conte-me uma de suas belas historinhas para que possamos atravessar acordados esta noite”. E o rei disse: “Que seja a conclusão da história do gênio e do mercador, pois meu coração está ocupado com ela”. Ela disse: “Com muito gosto, honra e orgulho, ó rei venturoso”.

(Livro das Mil e uma noites, volume I – ramo sírio, tradução do árabe por Mustafa Jarouche, Editora Globo, 1ª edição, pp58 e 59)

quarta-feira, 17 de junho de 2009

psicoanálise em recortes

Um passo adiante implica caídos.

(Miguel Oscar Menassa, Aforismos y Decires, 1958 – 2008, p. 13, aforismo 64)

quarta-com-cortázar


JAVA

C’ est la java d’ccelui qui s’en va –


Ficaremos sós e já será de noite.
Ficaremos sós meu travesseiro e meu silêncio
e a janela vai estar olhando inutilmente
os barcos e as pontes que preparam suas agulhas.

Eu direi: Tarde demais.
Não me responderão nem minhas luvas nem o pente,
somente teu cheiro, teu perfume esquecido
como uma carta na mesa virada para baixo.

Vou morder uma maçã e fumar um cigarro
vendo descer os cornos da noite medusa
seu vasto caracol forrado de veludo

E direi: Já é noite
e vamos concordar oh móveis oh cinza
com o realejo que remonta na esquina
os tristes ossinhos de um peixe e uma amapola.


C’ est la java
d’celui qui s’en va –


(do livro Divertimento, Julio Cortázar, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2003, p. 137)

quarta-feira, 3 de junho de 2009

notícia


+ psicoanálise

LENDO FREUD E LACAN

A poesia é o novo, e o novo nunca é reacionário, o novo sempre é revolucionário. Reacionário é algo que conserva, estabiliza, ordena. A filosofia aristotélica é reacionária. Um poema, uma metáfora poética atenta sempre contra este redondel que é o mundo positivista.
Roland Barthes, em O Prazer do Texto, explica como a escritura que nos produz certo transtorno, certa interrupção, abre outra maneira de pensar, e é uma escritura que nos dá gozo.
A linguagem metafórica desconexa também pode ser loucura. Vamos ter que discriminar entre poesia e loucura fundamentalmente, por que para poder poesia há que sublimar e, justamente, isso é o que o louco não pode. O que o louco não pode é transformar a realidade, à diferença do poeta, com essa linguagem desconexa metafórica.
Se você escreve, sempre o faz mais além de seus pensamentos, de sua moral, de sua ideologia e para além de sua maneira de viver. Tanto que, quando queira viver como escreve, fica louco. Artaud é o caso onde as circunstâncias de sua vida o levaram a se impor isso: viver como escrevia. Não pôde continuar nenhuma das duas coisas.
Estão sublimando um escritor quando escreve, um pintor quando pinta e um trabalhador quando trabalha, ou seja, estão tratando suas tendências sexuais e agressivas, estão retirando de objetos exteriores as tendências agressivas e as tendências amorosas, e tomando a decisão de pôr essa energia libidinal, que estava colocada nas pessoas, a serviço da obra que vão realizar.

(de Miguel Oscar Menassa. IN: FREUD E LACAN – FALADOS – 1. Grupo Cero, Porto Alegre, 2007, colaboração da psicoanalista Lúcia Bins Ely)

quarta-com-cortázar

I

Tempo oco barato
onde violões moles
se enredam nas pernas
e mulheres sem rosto
sem seios sem pestanas
com o ventre de pedra
choram nos caminhos.

Ah giro dos ventos
sem pássaros sem folhas
os cães de barriga para cima
farejam em vão
um material nu
de fragrância e alegria
um ar sem perdizes
sem tempo sem amigos
uma vida sem pátria
um silêncio de chicote
que nem sequer açoita.

II

O rio desce pelas costas
com sua alternada indiferença
e a cidade o considera
como uma cadela preguiçosa.

Nem amor, nem espera, nem o combate
do nadador contra o nada.
Com languidez de cortesã
Buenos Aires olha o seu rio.

O tempo é este cinza, compadre
pitando ali sem fazer nada.


(Divertimento, Julio Cortazar, Civilização Brasileira, RJ, 2003)

terça-feira, 2 de junho de 2009

frase feita

(Iberê Camargo)


Levar adiante o mundo sem estar no mundo é muito complicado.

(aforismo 727, Miguel Oscar Menassa, livro Aforismos e Decires [1958-2008], Editorial Grupo Cero)

verso b

rápido e rasteiro

(Chacal)

vai ter uma festa
que eu vou dançar
até o sapato pedir pra parar

aí eu paro
tiro o sapato
e danço o resto da vida

notícia

SARAU POÉTICO 2001 NOITES


Teu riso de vidro
desce as escadas às cambalhotas
e nem se quebra,
...
(Mario Quintana)


O Grupo Cero, em parceria com a Biblioteca Pública Estadual, promove mais um sarau poético, no dia 5 de junho de 2009, a partir das 19h, no Auditório Luís Cosme, da Casa de Cultura Mario Quintana.

Serão homenageados os poetas Federico Garcia Lorca, cujo aniversário de nascimento é no próprio dia do evento, e Mario Quintana, falecido em 5 de maio de 1994 e nascido em 30 de julho de 1906. Na verdade, o sarau antecipará os festejos em reverência a esse grande poeta imortal.

No evento, os participantes poderão ler os autores homenageados, bem como os poemas de produção própria.

Veja a agenda dos saraus:

05 DE JUNHO – Mario Quintana;
04 DE SETEMBRO – Carlos Drummond;
02 DE OUTUBRO – Adélia Prado;
04 DE DEZEMBRO – Hilda Hilst.

Horário: 19 horas
Duração: 1h e 30 min
Local: Sala Luís Cosme, Casa de Cultura Mario Quintana.

Contamos com a sua participação,

Grupo Cero Brasil.