domingo, 26 de abril de 2009

sessão desvelada




Maria chega sempre com pontualidade.
Me cumprimenta com uma cordialidade tão exagerada, quanto exasperante.
Revisa o divã antes de se recostar, buscando quem sabe as marcas de algum corpo anterior, algum casaco anterior, algum sentido esquecido na pequena almofada da cabeceira.
Ao começar a falar escolhe as palavras como se escolhesse a roupa adequada ou o caminho a seguir numa encruzilhada.
- Hoje tudo me parece “especial”… Está tudo um pouco “esquisito” ao meu redor…
- Por que diz isso?
- Quanto toquei a campainha do porteiro eletrônico você me abriu a porta sem perguntar quem era... como estava tão segura de que era eu???
- ...
- Não quer me responder... espero que não me diga que hoje vim paranóica.
- ……
- Sim, já sei que não vai me responder nada, ao fim e ao cabo a vida é assim: um fala sozinho todo o dia e a ninguém lhe interessa nada do que um tem para dizer, o mundo é uma bola vazia que gira solta no universo, e não se conecta com nada... já não há satélites, tudo sofre de solidão.
- Quiçá a que se sente vazia, a que sofre de solidão é você e não o mundo. Você não é o mundo.
- Porém tenho um mundo.
- E como é hoje seu mundo?
- Oco, porém se move. Ao contrário, minha mãe vive num frasco. Olhando a novela da novela da tarde como se isso fosse sua família. Toda a casa está desorganizada, os copos sujos, os pratos sem levar, a mim me dá asco essa maneira de viver, porém chego do trabalho e começo a dar voltas pela casa buscando os copos sujos do dia anterior, levantando os papéis do chão, as chícaras de café. É uma hora dando voltas e voltas no silêncio para que tudo volte a estar em orden e possa me sentar e descansar.
- Voltas e voltas como um satélite.
- Não me venha com metáforas!!!!
- Em seu planeta não há metáforas? Continuamos na próxima.


Marcela Villavella

Um comentário:

Mara faturi disse...

ADOREI O TEXTO...MAS, A PINTURA COM O GATINHO...QUE TUDO!!!! DE QUEM É??!!!
Bjos