sábado, 25 de abril de 2009

+ psicoanálise


(obra de Wilson Tibério - 1923-2005)



O DIZER HIPOCONDRÍACO



PARTE 3



Dizíamos que não havia sujeito mais além da linguagem e que toda a palavra vai mais além do sujeito já que ele é um sujeito falado e esse falar vai também mais além do sujeito que fala.
Se nos referirmos à linguagem hipocondríaca ou à linguagem do órgão, poderíamos dizer que é aquela na qual um órgão particular se torna o referente de uma frase ou de um discurso verbal. Se trataria, então, de um paciente que fala de um órgão e que o faz com palavras.
A linguagem do órgão se apresenta muito diferente da linguagem verbal, visto o órgão não dispor de riqueza maior de vocabulário que sua estrutura e função condicionam. Cada órgão tem uma espécie de dialeto, um código linguístico delimitado e particular que determina sua forma de falar. Ao serem suas possibilidades tão limitadas, a linguagem do órgão resulta demasiadamente pobre como para dar conta da combinação normal dos significantes próprios de distintas zonas erógenas.
Relativamente ao discurso, a hipocondria se compara com a esquizofrenia, pois nessa surge, com freqüência, em seus períodos iniciais, uma alusão a órgãos somáticos ou a suas enervações, nas quais aparecem sentimentos de transformação, de instruções ou de intercâmbios corporais, etc.
Freud nos traz um caso que lhe alcançou o Dr. Tausk sobre algumas observações de uma paciente com esquizofrenia em seu estado inicial.
Essa moça, que acudiu à consulta pouco depois de haver brigado com seu noivo, tinha a seguinte queixa:
“Os olhos não estão bem, estão tortos. Nunca pude lhe compreender. É um hipócrita, um olho torto.” Ele lhe havia torcido os olhos, agora ela tem seus olhos tortos, como se a partir desse momento, já seus olhos não são nunca mais seus olhos, agora ela vê o mundo com olhos diferentes.


A frase esquizofrênica apresenta, assim, um caráter hipocondríaco, constituindo-se na linguagem do órgão.
Desde os começos da Psicoanálise Freud descobre que o humano adoece por que se defende da sexualidade, porém não do saber da sexualidade, se não da relação do saber com a sexualidade, de um saber insabido. No caso da hipocondria isso parece ser rechaçado, negado, por que o enfermo insiste em fazer consistir todas as palavras, está permanentemente atento ao que o órgão lhe diz.
Da psicoanálise diremos que o corpo tem que ser libidinal, pulsional, objeto “a”, contudo, o hipocondríaco não tolera se posicionar como sujeito dividido, o corpo se opõe a ficar marcado pelo significante. Uma frase martela em sua cabeça: “Não sou imortal, algo vai me matar. Porém, o quê?
E assim passa a vida tratando de se esquivar da possibilidade da morte. E como não tolera o sem-sentido, está sempre assomado à borda do órgão pelo qual teme cair.
O hipocondríaco parece duvidar de sua pertinência ao mundo da linguagem, no qual o corpo é apenas mais um significante.
Padece do corpo para não padecer da linguagem, prefere ser presa de seus jugos orgânicos no lugar de aceitar que é a linguagem quem tem a liberdade das combinações.


Até amanhã!


Marcela Villavella

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