sábado, 31 de julho de 2010

LENDO OS GRANDES POETAS

DO QUE ELAS DIZEM


O que elas dizem nunca tem sentido?

Que importa? Escuta-as um momento,

Como quem ouve, entre encantado e distraído,

A voz das águas... o rumor do vento...

Mario Quintana (Alegrete, 30/07/1906 - Porto Alegre, 05/05/1994)

sexta-feira, 30 de julho de 2010

LENDO OS GRANDES POETAS

A árvore dos poemas

Quando a árvore dos poemas não dá poemas,
Seus galhos se contorcem todos como mãos de enterrados vivos,
Os galhos desnudos, ressecos, sem o perdão de Deus!
E, depois, meu Deus, essa lenta procissão de almas retirantes...
De vez em quando uma tomba, exausta à beira do caminho
Porque ningúem lhe chega ao labio o frescor de cântaro,
a doçura de fruto que poderia haver num poema.
Maldita a geração sem poetas que deixa as almas seguirem.
Seguirem como animais em estúpida migração!
Quando a árvore dos poemas não dá poemas,
Qual será o destino das almas?

Mario Quintana (a homenagem do Verso B no dia de seu aniversário - completaria 104 anos hoje)

quinta-feira, 29 de julho de 2010

LENDO OS GRANDES POETAS

A verdadeira arte de viajar






A gente sempre deve sair à rua como quem foge de casa,


Como se estivessem abertos diante de nós todos os caminhos do mundo.\


Não importa que os compromissos, as obrigações, estejam ali...


Chegamos de muito longe, de alma aberta e o coração cantando!






(Quintana in “A cor do invisível”)
Mário de Miranda Quintana (Alegrete, 30 de julho de 1906 — Porto Alegre, 5 de maio de 1994)

sábado, 17 de julho de 2010

LENDO OS GRANDES POETAS

CONSTRUÇÃO



Amou daquela vez como se fosse a última

Beijou sua mulher como se fosse a última

E cada filho seu como se fosse o único

E atravessou a rua com seu passo tímido

Subiu a construção como se fosse máquina

Ergueu no patamar quatro paredes sólidas

Tijolo com tijolo num desenho mágico

Seus olhos embotados de cimento e lágrima

Sentou pra descansar como se fosse sábado

Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe

Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago

Dançou e gargalhou como se ouvisse música

E tropeçou no céu como se fosse um bêbado

E flutuou no ar como se fosse um pássaro

E se acabou no chão feito um pacote flácido

Agonizou no meio do passeio público

Morreu na contramão atrapalhando o tráfego



Amou daquela vez como se fosse o último

Beijou sua mulher como se fosse a única

E cada filho seu como se fosse o pródigo

E atravessou a rua com seu passo bêbado

Subiu a construção como se fosse sólido

Ergueu no patamar quatro paredes mágicas

Tijolo com tijolo num desenho lógico

Seus olhos embotados de cimento e tráfego

Sentou pra descansar como se fosse um príncipe

Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo

Bebeu e soluçou como se fosse máquina

Dançou e gargalhou como se fosse o próximo

E tropeçou no céu como se ouvisse música

E flutuou no ar como se fosse sábado

E se acabou no chão feito um pacote tímido

Agonizou no meio do passeio náufrago

Morreu na contramão atrapalhando o público



Amou daquela vez como se fosse máquina

Beijou sua mulher como se fosse lógico

Ergueu no patamar quatro paredes flácidas

Sentou pra descansar como se fosse um pássaro

E flutuou no ar como se fosse um príncipe

E se acabou no chão feito um pacote bêbado

Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado



Por esse pão pra comer, por esse chão prá dormir

A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir

Por me deixar respirar, por me deixar existir,

Deus lhe pague

Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir

Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir

Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair,

Deus lhe pague

Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir

E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir

E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir,

Deus lhe pague

CHICO BUARQUE DE HOLANDO (Rio de Janeiro,19 de junho de 1944)

terça-feira, 13 de julho de 2010

POESIA saindo do forno CERO

CADÁVER ESQUISITO

                     
Bateram a porta de sopetão

e batem os pés da morte

Pela morte que, de esquisito
nada tem, tem morte
pra morrer

Longa é a arte, tão breve                              

a vida

cavando no olho do escuro

abriu-se a porta naquele instante
                                                                                                        
tropeça bêbado nas frase de amor

no cadáver, a morte

de alguém que não morreu

tic, tac, tic, tac. Já é natal?

alvo
        cabisbaixo
                           olhou.

Cadáver Esquisito - Grupo de Poesia sábado dia 10/07/2010

(Hay almas que tienen - oleo sobre tela - M.O.Menassa)

quinta-feira, 8 de julho de 2010

LENDO OS GRANDES POETAS

EM MEU OFÍCIO OU ARTE TACITURNA



Em meu ofício ou arte taciturna

Exercido na noite silenciosa

Quando somente a lua se enfurece

E os amantes jazem no leito

Com todas as suas mágoas nos braços,

Trabalho junto à luz que canta

Não por glória ou pão

Nem por pompa ou tráfico de encantos

Nos palcos de marfim

Mas pelo mínimo salário

De seu mais secreto coração.


Escrevo estas páginas de espuma

Não para o homem orgulhoso

Que se afasta da lua enfurecida

Nem para os mortos de alta estirpe

Com seus salmos e rouxinóis,

Mas para os amantes, seus braços

Que enlaçam as dores dos séculos,

Que não me pagam nem me elogiam

E ignoram meu ofício ou minha arte.


DYLAN THOMAS (País de Gales, 1914 - Nova Iorque, 1953)

(tradução: Ivan Junqueira)

terça-feira, 6 de julho de 2010

POESIA saindo do forno CERO

Assombroso: o mínimo, às vezes, faz o máximo



O novo não vai ser

palavras como carne,

não me acovardo

por denuncia

onde tudo me destrói

singularmente te toco.



Me convenci

que o amor me faz voar

assim encontro virtudes

nos pequenos gestos.


Mesmo que a poesia,

nada necessite.

Renato Battistel