quinta-feira, 27 de outubro de 2011

LENDO OS GRANDES POETAS

A alegria da escrita

Para onde corre esta corça escrita pelo bosque escrito?
Vai beber da água escrita
que lhe copia o focinho como papel-carbono?
Por que ergue a cabeça, será que ouve algo?
Apoiada sobre as quatro patas emprestadas da verdade
sob meus dedos apura o ouvido.
Silêncio - também essa palavra ressoa pelo papel
e afasta
os ramos que a palavra "bosque" originou.

Na folha branca se aprontam para o salto
as letras que podem se alojar mal
as frases acossantes,
perante as quais não haverá saída.

Numa gota de tinta há um bom estoque
de caçadores de olho semicerrado
prontos a correr pena abaixo,
rodear a corça, preparar o tiro.

Esquecem-se de que isso não é a vida.
Outras leis, preto no branco aqui vigoram.
Um pestanejar vai durar quanto eu quiser,
e se deixar dividir em pequenas eternidades
cheias de balas suspensas no voo.

Para sempre se eu assim dispuser nada aqui acontece.
Sem meu querer nem uma folha cai
nem um caniço se curva sob o ponto final de um casco.

Existe então um mundo assim
sobre o qual exerço um destino independente?
Um tempo que enlaço com correntes de signos?
Uma existência perene por meu comando?

A alegria da escrita.
O poder de preservar.
A vingança da mão mortal.

Wislawa Szymborska (Bnin-Polônia- 1923)

Tradução de: Regina Przybycien

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

LENDO OS GRANDES POETAS

A VIDA NA HORA

A vida na hora.
Cena sem ensaio.
Corpo sem medida.
Cabeça sem reflexão.

Não sei o papel que desempenho.
Só sei que é meu, impermutável.

De que trata a peça
devo adivinhar já em cena.








Despreparada para a honra de viver,
mal posso manter o ritmo que a peça impõe.
Improviso embora me repugne a improvisação.
Tropeço a cada passo no desconhecimento das coisas.
Meu jeito de ser cheira a província.
Meus instintos são amadorismo.
O pavor do palco , me explicando, é tanto mais humilhante.
As circunstâncias atenuantes me parecem cruéis.
Não dá para retirar as palavras e os reflexos,
inacabada a contagem das estrelas,
o caráter como o casaco às pressas abotoado–
eis os efeitos deploráveis desta urgência.
Se eu pudesse ao menos praticar uma quarta-feira antes
ou ao menos repetir uma quinta-feira outra vez!
Mas já se avizinha a sexta com um roteiro que não conheço.
Isso é justo–pergunto
(com a voz rouca
porque nem sequer me foi dado pigarrear nos bastidores).
É ilusório pensar que esta é só uma prova rápida
feita em acomodações provisórias. Não.
De pé em meio à cena vejo como é sólida.
Me impressiona a precisão de cada acessório.
O palco giratório já opera há muito tempo.
Acenderam-se até as mais longínquas nebulosas.
Ah, não tenho dúvida de que é uma estreia.
E o que quer que eu faça,
vai se transformar para sempre naquilo que fiz.

Wislawa Szymborska (1923- Bnin, Polônia.)
(tradução: Regina Przybycien)

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

LENDO OS GRANDES POETAS


Amor à primeira vista

Os dois estão convencidos
de que foi um sentimento súbito o que os juntou.
É bela uma certeza como essa,
Mas é mais bela a incerteza.

Acham que por não se terem conhecido antes
nunca houve nada entre eles.
E o que diriam as ruas, escadas, corredores,
Onde há muito podiam se cruzar?

Queria perguntar-lhes
Se não se lembram -
Na porta giratória talvez
Um dia cara a cara?
Em meio à multidão um 'com licença'?
No telefone a voz - engano?
- mas conheço sua resposta.
Não, não se lembram.

Ficariam surpreendidos de saber
Que já faz tempo
O acaso brincava com eles.

Não preparado ainda
a transformar-se para eles num destino,
aproximava-se e os afastava,
cortava-lhes o caminho
e, abafando a gargalhada,
saltava para o lado.

Houve sinais, signos, só que ilegíveis.
Talvez há três anos atrás
ou na terça-feira passada
certa folha voou
de um ombro para o outro?

Houve algo perdido e recolhido
Quem sabe, uma bola
já no bosque da infância.

Houve maçanetas e campainhas,
em que antes
já o toque se punha no toque.
As malas lado a lado no depósito de bagagem.
Talvez, numa certa noite, o mesmo sonho
Apagado imediatamente depois de acordar.

Pois cada princípio
é apenas uma continuação,
e o livro de eventos
sempre aberto no meio.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

CADÁVER ESQUISITO no Laboratório a Poesia não se enamora nunca - no Porto Poesia 5

 

Aguardando no café (ainda não temos a foto do momento
do Laboratório) aguardem!
Eu te adora   meu amor

abre-te Cézamo   a poesia

tarde morna brinca com meu interior

Amo a natureza  por isso sou feliz
E as borboletas coloridas cruzavam as aves
agora os lírios encantam Brasis

II

às vezes embalo os passos
E, nas sombras da noite, um grito
Sou as quatro estações
            semeio esperança
abro o baú dos poemas

Sempre estarei aqui te esperando.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

 Convidamos todos os amigos para as atividades que o Grupo Cero estará promovendo no 5º PORTO POESIA:

12/10 das 20h15min às 21h15 - Leitura de poemas do livro inédito
                                                   SOMBRA E LUZ
                                                   pela autora Lúcia Bins Ely

15/10 das 17h às 18h30min -     Laboratório: A POESIA NÃO SE ENAMORA NUNCA
                                                   coordena Lúcia Bins Ely
15/10 das 20h15 às 21h15min - SARAU AGITADOR POÉTICO
                                                   com o Grupo de Poesia do GRUPO CERO                                BUENOS AIRES
15/10 das 21h15min às 22h -     Palestra: VIGÊNCIA DA POESIA
                                                    com a poeta argentina Marcela Villavella

 16/10 das 17h às 18h30 - Leitura de poemas
                                          com os Poetas do Futuro (Grupo de Poesia do GRUPO CERO BRASIL)

LOCAL: Centro Cultural CEEE Erico Veríssimo
               Rua dos Andradas, 1223, Centro Histórico, PoA.
obs.: todas as atividades são gratuitas.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

LENDO OS GRANDES POETAS

O POETA   

VI

O poeta fabrica
a pele da liberdade

com ela se cobre
pela metade

distribui
a outra metade

entre os que se mataram

VII

A pele do poeta
absorve a umidade
das salas

mofa
preta-se para centenários

a pele
do poeta

depois de morto
arregala a vida

VIII

Poeta nasce
para fabricar
pele

a única pele
que o poeta
não pode envergar

é a pele dos que se tatuaram


(continuará)

Armindo Trevisan (Santa Maria - RS - 1933)
do Livro Em pele e osso, 1977.
Desenho de Miguel Oscar Menassa

terça-feira, 4 de outubro de 2011

LENDO OS GRANDES POETAS

O POETA  

(Continuação)

III

Pele de poeta

é alumínio
entorta
mas guarda no verbo

o anti-verbo


IV

A pele do poeta
espalha carvões

desencaderna
livros

dá prurido
em pasta de documentos

seta
que deixa o presente

antes de ser fruto


V

Perder a pele
para o poeta
é fado

o poeta anda sem pele

se o constrangem
a falar por si

engancha
a pele

num grunhido

(continuará)

Armindo Trevisan (Santa Maria/RS, 1933)
(do livro: Em pele e osso, 1977)
desenho de Miguel Oscar Menassa

domingo, 2 de outubro de 2011

LENDO OS GRANDES POETAS

O POETA

I

O poeta
fabrica pele

vai costurando
a cidade

cerze
o chafariz
ponto por ponto

cerze
o tubo
a língua do professor

o poeta fabrica
pele

a dele

só depois de transformado
em folha

bicho-da seda
que engoliu o mundo

fabrica
a pele maior

do impossível

II

A pele do poeta
é ele

pele de vento
pele
de cimento

a mesma pele do tanoeiro

pele da meretriz
em tapete
de parede e sapato

pele de engarrafador

tapa o circo
do mundo

(continuará)

Armindo Trevisan (Santa Maria/RS, 1933)
(do livro: Em pele e osso, 1977)