domingo, 25 de janeiro de 2009

VERSO B



oportet

preciso
é ter paciência
decantar os vinhos
reler um verso velho que o citrino
sumo dos limões
verdecendo acidula

preciso
é ter ciência
depurar do limo
a água que filtra na palavra luz
o hino do menino char a voz
a vólucre voz
o timbre sibilino
do melro de ouro que clausura a aurora

preciso
é ter ausência
sutileza
tactos
amor (o ato e os entre-atos)
do prestimor querência
para fazer deste papel
poema
desta que mana do estilete azul
escura tinta esferográfica

preciso é ter
demência
obsessão
incerteza
certeza

escuridão gozosa
graça plena
fogo liquefeito
para fazer da tinta e da madeira
apisoada em polpa
que na cortiça antes portava
com brasão teu nome:
a coisa
o corpo
a coisa
em si
a dupla valva
o lacre sob as pubescentes sílabas
o preciso desenho
que como ao deus de adão de uma costela
dá-me fazer deste papel poema e da insinuada
tinta faz
mulher

(de Haroldo de Campos, do livro “Crisantempo: no espaço curvo nasce um”, Ed. Perspectiva, 1998, p. 17 e 18)

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