sábado, 10 de janeiro de 2009

HISTÓRIAS CERO

(óleo sobre tela, "As Meninas", de Diego Velázquez)

O PENSIONATO


por Eliane Marques

noite 1

Estava careca. Esperava que nos restaurantes do shopping da Rua da Praia me reconhecessem como um homem. Não, exagero, como um menino. Me admirei quando o garçom me chamou de moça e perguntou qual era o prato. Nossa, mas ele não está vendo que sou um homem, digo, menino, não está vendo que tenho nenhum cabelo na cabeça e que minha voz agora soa grossa como a de um vendedor de gravatas que diz “às ordens, senhor”.
Nessa noite de inverno, retornei da aula com uma toca negra sobre os cabelos que eu já não tinha. Toquei a campainha do pensionato de freiras onde morava. Ninguém atendeu. Fiquei congelado quase meia hora e sentindo saudades de Santa Maria da Boca do Monte no verão de Vesúvio. Minha mão cansada gozava da liberdade de já não mais tocar a campainha com a força que a ilusão lhe exigia. Uma freira partida do céu da insônia abriu a porta e explicou que confundira minha imagem com a de um ladrão. Fiquei raivoso como um cão e seus olhos de puta dos versos de Girondo, mas, intimamente, feliz por que alguém reconhecera o homem, digo, o menino, no qual eu me transformara pela ação de uma tesoura ali da Borges de Medeiros, perto do viaduto.

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