segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

NOVELAS CERO

(óleo sobre tela, "A Dança", Henri Matisse)

A sessão escrita

por Marcela Villavella

Querida Estela:

Escrevo à primeira hora da manhã. Hoje é quarta-feira, e à tarde irei ao consultório...
Fevereiro me dá a oportunidade de um dia livre. Voltaste de tuas férias?... Como havíamos combinado, te escrevo diariamente.
Faz alguns dias que tudo o que ocorre entra na cadeia associativa das férias, ou de uma viagem. Quando era pequena, meus pais tinham uma casinha, pequeninha e cálida, na serra. Minha mãe se preocupava muito com essa casa. Cada vez que chovia em Buenos Aires, sofria se chovesse na serra, e se não chovesse, sofria pela “A encantada”. Estava tão longe, que nem nos inteirávamos se chovia, se uma janela chegava a se abrir pelos fortes ventos ... amava e odiava essa casa.
Comprá-la foi idéia de meu velho, ele gostava da serra, os juncos dos arredores, o frescor de lavanda à tardinha.
Nos dizia: olhem que montanhas!!!!
São serras, lhe dizia eu, para lhe mostrar que estava equivocado, para saber mais que ele... E ele respondia: “Essas são coisas de tua mãe ...”
A meu irmão e a mim, nos encantava ir às montanhasserras, chegava janeiro e minha velha começava a sentir que era difícil deixar sozinha a casa em Buenos Aires, e seu coração se partia entre esses dois amores, tão distantes ... se partia seu coração... quando morreu, pensei essa mesma frase... se partiu seu coração, entre não querer viver, mas sem poder caminhar, e o ter que deixar a todos sem sua presença.
A mim, também se me partiu o coração, porém outro coração, nesse dia me coloquei a escrever desenfreadamente, tudo me remetia a essa frase “coração partido” ... metades rubras, negros amos governando as metades, a dor do amor. Tchau Mamãe ...
A enfermeira nos disse: “não sabemos o que ocorreu... estava bem... não sabemos explicar”... Não explique nada, se lhe partiu o coração... feito aqueles pedaços que deixava de testemunhas, entre a cidade e a serra. Os ventos que arrasaram as janelas de sua casa, além da distância, lhe zumbiram demasiadamente no peito... e esse ruído nunca quis desaparecer. Foram o vento, a chuva, os mosquitos que lhe sussurraram há 45 anos.
Foi isso. Não explique.
Querida Estela, nada mais a dizer que até amanhã.

Obrigada por me ler.

Ana

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