sexta-feira, 1 de maio de 2009

traduceiro

ATAVISMO

O garoto respira mais fresco, escondido
por postigos, olhando pra rua. Da clara fissura
se percebe a calçada, no sol. Não caminha ninguém
pela rua. O rapaz gostaria de sair
assim – nu – é de todos a rua – e afogar-se no sol.

Na cidade, não pode. No campo, talvez,
se não fosse o profundo do céu na cabeça,
que amedronta e humilha. Há a relva gelada
que faz cócega aos pés, mas as plantas que miram
e os arbustos e troncos são olhos severos
para um corpo tão débil e sem viço, que treme.
Até a relva é estranha e repugna o contato.

Mas a rua é deserta. Se alguém a cruzasse,
lá do escuro o rapaz ousaria fitá-lo
e pensar que as pessoas escondem um corpo.
Mas quem passa é um rapaz de músculos fortes,
e a calçada ressoa. O cavalo demora
a partir, nu e sem pejo, debaixo do sol:
vai marchando no meio da rua. O rapaz,
que queria ser forte e moreno como ele
e quem sabe puxar a carroça, ousaria mostrar-se.

Se há um corpo, é preciso exibi-lo. O rapaz não percebe
que cada um tem um corpo. O velhote enrugado
que passava de dia não pode ter corpo
assim pálido e triste; não pode haver nada
de tamanho pavor. Nem sequer os adultos
ou as mães que oferecem o peito aos meninos
estão nus. Têm um corpo somente os rapazes.
O garoto não ousa mirar-se no escuro,
mas bem sabe que deve afogar-se no sol
e habituar-se aos olhares do céu, para ser depois homem.

(Cesare Pavese, Trabalhar Cansa, tradução Maurício Santana Dias, 7 letras/Cosacnaify)

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