domingo, 17 de maio de 2009

+ psicoanálise


dizer hipocondríaco

parte final

Daniel chega à consulta pela primeira vez aos 45 anos, depois de anos em visitas a consultórios, centros médicos de alta e múltipla especialização, laboratórios de análises clínicas e etc. Diz: “Faz vários dias que sinto uma dor aguda nas têmporas como uma alfinetada aqui, vê? E o médico se nega a fazer o encefalograma que, com certeza, permitirá que eu saiba se está tudo bem em minha cabeça... e se é algo repentino e morro em segundos sem me dar conta? E se estou gravemente doente e trabalho como se nada acontecesse?... Além disso, faz uma semana que a mulher de meu colega de trabalho estava bem e de repente caiu no meio da rua e morreu… tinha um tumor cerebral e ninguém sabia... pode ocorrer... e o quê custa ao médico fazer o encefalograma que vai me tranquilizar”.
O hipocondríaco se sente doente, e se mostra como um obsceno falador, um impudico que relata suas suspeitas e seus temores esperando que uma palavra o acalme, que tenha consistência semelhante a seus medos orgânicos. Descreve cuidadosamente o início e o final de um mal-estar como se em cada frase estivesse por descobrir o segredo de sua vida ou as proximidades da morte.
Ele pede garantias ao médico ou de uma saúde estável ou de uma morte segura por uma terrível doença. Não suporta nem suas contingências em ser, seus próprios enigmas enquanto sexual e mortal. Seu discurso é pobre, estreito, sempre limitado ao corporal, como se suas palavras fossem obstinadas caçadoras de seu próprio pedaço de carne. Detém o mundo para medir o pulso ou escutar algum ruído em seu estômago, ou para verificar se a alfinetada nas têmporas chegará mais ou menos na mesma hora que no dia anterior.
Ele está todo o tempo tratando de pesquisar os conteúdos impossíveis que o afligem. Sua maneira de pontuar fica sempre agarrada numa zona desconhecida do corpo. Quando se trata do hipocondríaco, a pontuação é sempre suspensiva.
Para ele, as variações de uma vida resultam insuportáveis, tudo se abriga num órgão. Prefere pensar que a morte é o incerto, o variável, no lugar de aceitar que é a vida o impensado que teme e, que da morte nada se sabe.
Não aceita sua mortalidade, por isso padece, inclusive, de uma alteração relativa ao tempo. Resulta-lhe insuportável aceitar que no futuro a morte está esperando. Ser mortal lhe parece uma má jogada do destino.

O hipocondríaco rechaça sua mortalidade e faz consistente e letal o futuro.
Ele não aceita que morrerá. Vive crendo que o futuro é um assassino em série.

Até a próxima!!!

Marcela Villavella

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