sexta-feira, 15 de maio de 2009

era uma vez...


1ª NOITE DAS ESPANTOSAS HISTÓRIAS DAS MIL E UMA NOITES

Disse Sharazad: conta-se ó rei venturoso, de parecer bem orientado, que certo mercador vivia em próspera condição, com abundantes cabedais, dadivoso, proprietário de escravos e servos, de muitas mulheres e filhos; em muitas terras ele investira, fazendo empréstimos ou contraindo dívidas. Em dada manhã, ele viajou para um desses países: montou um de seus animais, no qual pendurara um alforje com bolinhos e tâmaras que lhe serviam como farnel, e partiu em viagem por dias e noites, e Deus já escrevera que ele chegaria bem e incólume à terra para onde rumava; resolveu ali seus negócios, ó rei venturoso, e retomou o caminho de volta para sua terra e seus parentes. Viajou por três dias; no quarto, como fizesse muito calor e aquele caminho inóspito e desértico fervesse, e tendo avistado um oásis adiante, correu até lá a fim de se refrescar em suas sombras. Dirigiu-se para o pé de uma nogueira a cujo lado havia uma fonte de água corrente e ali se sentou, antes amarrando a montaria e pegando o alforje, do qual retirou o farnel: bolinhos e um pouco de tâmaras. Pôs-se a comer as tâmaras, jogando os caroços à direita e à esquerda, até que se saciou. Em seguida levantou-se, fez abluções e rezou. Quando terminou os últimos gestos da prece, antes que ele se desse conta, aproximara-se um velho gênio cujos pés estavam na terra e cuja cabeça tocava as nuvens, empunhando uma espada desembainhada. O gênio se achegou, parou diante dele e disse: “Levante-se para que eu o mate com essa espada, do mesmo modo como você matou meu filho!”, e deu uns gritos com ele. Ao ver o gênio e ouvir-lhe as palavras, o mercador ficou atemorizado e, invadido pelo pânico, disse: “E por qual crime vai me matar, meu senhor?”. O gênio respondeu: “Pelo crime de ter matado o meu filho”. O mercador perguntou: “E quem matou o seu filho?”. Respondeu o gênio: “Você matou o meu filho”. Perguntou o mercador: “Por Deus que eu não matei o seu filho! Quando e como isso se deu?” O gênio respondeu: “Não foi você que estava aqui sentado, e que tirou tâmaras da mochila, pondo-se a comê-las e a jogar os caroços à direita e à esquerda?”. O mercador respondeu: “Sim, eu fiz isso”. O gênio disse: “Foi assim que você matou o meu filho, pois, quando começou a jogar os caroços à direita e à esquerda, meu filho começara logo antes a caminhar por aqui, e então um caroço o atingiu e matou”. Agora, me é absolutamente imperioso matar você”. O mercador disse: “Não faça isso, meu senhor!”. Respondeu o gênio: “É imperioso que eu o mate, assim como você matou o meu filho. A morte se paga com a morte.” O mercador disse; “A Deus pertencemos e a ele retornaremos; não há poderio nem força senão em Deus altíssimo e poderoso. Se eu de fato o matei, não foi senão por equívoco de minha parte. Eu lhe peço que me perdoe”. O gênio respondeu: “Por Deus que é absolutamente imperioso matá-lo, do mesmo modo que você matou meu filho”, e, puxando-o, atirou-o ao chão e ergueu a espada para golpeá-lo. O mercador chorou , lamentou-se por seus familiares, esposa e filhos. Enquanto a espada estava erguida, o mercador chorou até molhar as roupas e disse: “Não há poderio nem força senão em Deus altíssimo e poderoso, e recitou os seguintes versos:

continua na próxima sexta-feira


(Livro das mil e uma noites, volume I: ramo sírio, tradução do árabe Mamede Mustafa Jarouche, São Paulo, Globo, 2005)

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