terça-feira, 10 de março de 2009

VERSO B


Sim, tu, minha outra eu mesma na forma enfeitiçada de outra pele
cingida ao memorial do rito e da preguiça.
Não feitiço, donde rangem com asas de lagosta os espíritos postos a secar;
não talismã, como uma estrela alheia enganchada na proa da própria escuridão;
não amuleto, para aventar os negros semeadores do azar;
não gato em sua função de animal gato;
senão tu, o totem palpitante na cadeia quebrada de meu clã.
Esse vínculo como um intercâmbio de segredos em plena combustão!
Esse sopro recíproco infundindo os sinais do mal, os sinais do bem,
em cada tempo e a qualquer distância!
Essas sortes ligadas sob o lacre e os selos de todos os destinos!
Não guardavas acaso minha alma ensimesmada como uma tromba azul entre tuas sete vidas?
Não custodiava eu tuas sete vidas,
semelhantes a um noturno arco-íris no meu espaço interior?
E este rumor e esse chiado,
este remoto jorro de borbulhas soterradas
e esse rouco zumbido de abelhas em suspenso entre os labirintos de teu sangue,
não seriam acaso meu mantra mais oculto e teu indizível nome
e a palavra perdida que ao se refazer refaz com plumas brancas a criação?

(fragmento X de "Cantos a Berenice", de Olga Orozco)

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