quarta-feira, 18 de março de 2009

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Teoria do buraco pegajoso

Chama-se por exemplo Ramón e traz o nome grudado assim como todo o resto, o que a gente vê dele e o que ele próprio vê dele. Poucos sabem que na realidade Ramón é um buraco pegajoso, ninguém consegue imaginar facilmente semelhante objeto. Até os quinze anos não havia nada, quer dizer havia apenas buraco cercado de amor materno e pulôveres e tabuadas e jogos de futebol. Então, quando acordou certa manhã o buraco teve, coisa por certo estranha, uma espécie de entrevisão de si mesmo, caiu em si como diz o professor de Bahia Blanca plagiando o de Freiburg e percebeu que precisava fazer alguma coisa para não estourar feito uma bolha de sabão. Num ato que não deixa de ter seu mérito, o buraco ficou pegajoso em sua borda externa, a bolha de sabão captou primeiro umas felpas no ar, depois o elegante costume de fumar tabaco inglês num lugar onde os outros fumavam fumo de rolo picado, e o nome de Ramón, flutuando até então por que era uma espécie de sinônimo do buraco, começou a se grudar firmemente, rodeou-se de um paletó de tweed, Ramón vestiu roupa esporte e comprou gadgets para resolver os problemas de higiene, da cozinha e do aquecimento, tornou-se uma autoridade em marca de creme de barbear, na melhor gasolina para carros suecos, na sensibilidade adequada do filme fotográfico num dia nublado, assinou o Time e a Life, fez uma idéia de Picasso e outra idéia dos toca –discos e das praias de veraneio e da alimentação, e lá vai ele carreira acima, subchefe, chefe e chefão, um especialista nas questões mais diversas, com uma voz cuja sonoridade só alguns poucos adivinham que lhe vem do buraco, que o buraco fala enquanto Ramón bate delicadamente seu cachimbo de urze comprado em Londres porque não existem cachimbos comparáveis, palavra de Ramón.
(do Livro "A Volta ao Dia em 80 Mundos", de Julio Cortázar, Civilização Brasileira, 2008)

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