sexta-feira, 6 de março de 2009

traduceiro

O irremediável

I

Uma Idéia, uma forma, um Ser
Vindo do azul, que se dirige,
A um plúmbeo e lamacento Estige
Que o olho do Céu não pode ver;

Um anjo, imprudente viajor
Que tentou amar o que é disforme,
No mar de um pesadelo enorme
A debater-se o nadador,

Lutando, angústias sombrias!
De redemoinhos os mais loucos
Que vão cantando cantos roucos
Fazendo nas trevas acrobacias;

Um preso de feitiço grave
Em suas buscas pueris
Para evadir-se dos reptis,
Procurando a luz como a chave;

Um condenado a descer sem lâmpada
A orla de abismo cujo odor
Trai o profundíssimo humor
De eternas escadas sem rampa,

Cheia de monstros horríveis,
Cujos olhos fazem fosfóreos
Mais escura a noite em que jazem
E onde só eles são visíveis;

Um navio na solidão
Do polo, um fojo de cristal,
A andar por estreito fatal,
Que aqui tombou numa prisão;

- Este quadro à memória traz
De uma sorte atroz e vã
E nos faz pensar que Satã
Faz sempre bem tudo o que faz.


(As Flores do Mal, Charles Baudelaire, LXXXVII, tradução de Pietro Nasseti, Editora Martin Claret)

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