sexta-feira, 20 de março de 2009

traduceiro

O suicidado da sociedade


Havia muito tempo que a pintura linear pura me enlouquecia, até que encontrei Van Gogh que pintava, não linhas ou formas, mas coisas da natureza inerte como se estivessem em plena convulsão.
E inertes.
Como sob a terrível invectiva desta força de inércia da qual todos falam de modo cifrado, e que jamais foi tão obscura do que quando a terra e a vida presente se juntaram para elucidá-la. Ora, é com um golpe imprevisível, verdadeiramente com um golpe poderoso e imprevisível que Van Gogh atinge sem cessar todas as formas da natureza e dos objetos.
Cardadas pela ferramenta de Van Gogh, as paisagens
mostram
sua carne hostil, a hostilidade de suas entranhas expostas,
que não se sabe qual estranha força por outro lado está
prestes a provocar metamorfoses.

Uma exposição dos quadros de Van Gogh é sempre uma
data na história,
não na história das coisas pintadas, mas na história histórica mesma.
Por que não há flagelo da fome, nem epidemia, erupção vulcânica, terremoto, nem guerra, que excite as mônadas do ar, que torça o pescoço da figura feroz de fama fatum, o destino nevrótico das coisas,
Como uma pintura de Van Gogh – trazida à luz,
exposta à própria visão,
ao ouvido, ao tato,
ao cheiro,
nas paredes de uma exposição –
enfim lançada de novo na atualidade corrente, reintroduzida na circulação.


(fragmento de “Van Gogh, O suicida da sociedade”, de Antonin Artaud, tradução de Ferreira Gullar, José Olympio Editora)

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