sexta-feira, 20 de março de 2009

era uma vez...




JOANINHA

(de Eliane Marques)


A casa de madeira verde-água ficava na Rua Tamandaré. O terreno sob o qual ataram suas pernas fora comprado com o dinheiro da escravidão do meu bisavô nas Minas de Butiá. Ele não encontrou a terra prometida – a morte lhe recolheu com seu véu de noiva, costurado com as pedras do meio da estrada. Sobraram as filhas, Joaninha e Ana, que enterraram a seco as roupas do pai. Não havia tempo para lavar em nenhum arroio de doces águas as mãos que tinham de andar.
Os ossos da Joaninha fiavam o dia e a noite, sem alvorada para descansar. Padeciam de um reumatismo que dobrava seu corpo, oculto à agulha da máquina de reclamar. Aplacaram as dores de sua velhice, que jamais chegou, os vestidos modelados para os passeios das sinhás. A solidão lhe doía quieta e trabalhadora.
O lar novo em Santana do Livramento, de uma indolência cansada, não se erguia. Os vizinhos, atentos à estrangeria negra e muda, carregavam dele - como crianças que depois de um passeio se negam a caminhar - paredes, janelas e portas. As construções engordavam a olhos vistos, à custa dos favores carpinteiros da casa preguiçosa do local.
Em pé, depois do sofrimento da primeira tábua erguida, vingaram-se as filhas. A casa - esqueleto foi vendida a um árabe, comerciante de tecidos, que, sem desculpa alguma, se interessava em prosperar.

Um comentário:

Mara faturi disse...

Prosa e poesia juntas;Belo, muito...
bjo