terça-feira, 10 de março de 2009

PERSEGUINDO O ESTRANHO


Por ora falarei apenas daquelas coisinhas que comecei a fazer em forma de pantomimas, na tenra infância da minha loucura, em frente a todos os espelhos de casa, espreitando por todos os lados para não ser flagrado por minha mulher, na espera ansiosa de que ela, saindo para fazer compras ou alguma visita, finalmente me deixasse sozinho por um bom tempo.
Não queria fazer como um comediante, que estuda os movimentos e compõe no rosto as expressões dos vários sentimentos e estados de espírito. Ao contrário, queria surpreender-me na plena naturalidade dos meus atos, nas súbitas alterações da face, a cada oscilação do ânimo: por exemplo, num espanto imprevisto (e alçava de repente as sobrancelhas até a raiz dos cabelos, arregalando olhos e boca e alongando o rosto como se um fio interno me esticasse); ou num sofrimento profundo (e franzia a testa, imaginando a morte de minha mulher, e semicerrava as pálpebras sombrias como se quisesse recobrir aquela dor); ou numa raiva feroz (e rangia os dentes, imaginando que alguém me houvesse esbofeteado, e dilatava as narinas, avançando as mandíbulas e fulminando com os olhos).
Mas, antes de tudo, aquele espanto, aquele sofrimento, aquela raiva eram fingidos e nunca poderiam ter sido autênticos, porque, se o fossem, não os teria podido ver, pois logo teriam cessado pelo simples fato de que eu os via. Em segundo lugar, os espantos que me poderiam assaltar eram muitos e variadíssimos, tal como as expressões correlatas, imprevisíveis, sem fim, variáveis segundo os momentos e as condições de meu espírito - o mesmo valendo para todos os sofrimentos e todas as raivas. Enfim, ainda admitindo que, para um único e determinado espanto, para uma única e determinada raiva, eu tivesse realmente assumido aquelas expressões, estas eram como eu as via, e não como os outros as percebiam. A expressão daquela minha raiva, por exemplo, não teria sido a mesma para alguém que se sentisse ameaçado por ela ou para um outro disposto a desculpá-Ia ou para um terceiro que se risse dela, e assim por diante.
Ah, quanto ainda me faltava para entender tudo isso e poder tirar da evidente inexeqüibilidade desse meu insano propósito a conseqüência natural de renunciar à empresa desesperada e simplesmente ficar contente de viver no meu canto, sem querer me ver e sem me preocupar com os outros.
A idéia de que os outros viam em mim alguém que não era eu tal como eu me conhecia, alguém que só eles podiam conhecer olhando-me de fora, com olhos que não eram os meus e que me davam um aspecto fadado a ser sempre estranho a mim, mesmo estando em mim, mesmo sendo o meu para eles (um "meu" que, portanto, não era para mim!), uma vida na qual, mesmo sendo a minha para eles, eu não podia penetrar, essa idéia não me deu mais descanso.
Como suportar em mim este estranho? Este estranho que eu mesmo era para mim? Como não o ver? Como não o conhecer? Como ficar para sempre condenado a levá-Ia comigo, em mim, à vista dos outros e no entanto invisível para mim?

[Passagem do livro do escritor italiano LUIGI PIRANDELLO (1867 – 1936) “Um, nenhum e cem mil”, Ed. Cosacnaify, pág. 32]

Nenhum comentário: