sábado, 21 de março de 2009

Desculpem de novo


Deixem-me dizer só mais uma coisa, e então termino.
Não quero ofendê-Ios - ou à sua consciência, como vocês dizem. Sei que não querem que ela seja posta em dúvida. Tinha esquecido, me desculpem. Mas reconheço, reconheço que, para si mesmos, dentro de si, vocês não são tal como eu, de fora, os vejo. Não por má vontade. Gostaria que ao menos estivessem convencidos disso.Vocês se conhecem, se sentem, se apreciam de uma maneira que não é a minha, mas a sua; e ainda acreditam que o seu juízo seja o correto, e o meu, o falso. Deve ser, não nego. Mas a sua maneira pode ser a minha, e vice-versa?
Eis que voltamos ao princípio!
Posso crer em tudo o que me dizem. Acredito. Ofereço-Ihes uma cadeira, vocês se sentam, e vamos tentar chegar a um acordo.
Depois de uma boa hora de conversa, nos entendemos perfeitamente.
Amanhã vocês retomam, com o dedo em riste, gritando:
-- Como assim? O que você entendeu? Você não me disse isso e aquilo?
Isso e aquilo, perfeitamente. Mas o problema é que vocês, meus caros, nunca entendem; e eu nunca vou poder explicar-lhes como se traduz em mim aquilo que vocês me dizem. Sei que vocês não falaram turco, sei disso. Usamos, eu e vocês, a mesma língua, as mesmas palavras. Mas que culpa temos, eu e vocês, se as palavras, em si, são vazias? Vazias, meus caros. E vocês as preenchem com o seu sentido, ao dizê-Ias a mim; e eu, ao recebê-Ias, inevitavelmente as preencho com o meu sentido. Pensamos que nos entendemos, mas não nos entendemos de modo nenhum.
Ah, isso também é uma velha história, todo mundo sabe. E eu não pretendo dizer nada novo. Apenas volto a perguntar-Ihes:
- Mas por que, então, santo Deus, vocês continuam a fazer como se não soubessem disso? Por que insistem em falar de vocês, se sabem que, para serem para mim aquilo que são para si mesmos, e eu a vocês tal como sou para mim mesmo, seria preciso que eu, dentro de mim, lhes conferisse aquela mesma realidade que vocês conferem a si, e vice-versa. E isso é possível?
Infelizmente, meus caros, por mais que vocês façam, sempre me darão uma realidade a seu modo, mesmo crendo de boa-fé que seja a meu modo. E talvez seja, não digo que não, quem sabe; mas a um "meu modo" que eu desconheço e que jamais poderia conhecer, o qual somente vocês, que me vêem de fora, reconheceriam: portanto, um "meu modo" a seu uso, não um "meu modo" para mim.
Houvesse fora de nós, externa a vocês e a mim, uma senhora realidade minha e uma senhora realidade sua, digo, em si mesma, igual e imutável! Mas não há. Há em mim e para mim uma realidade minha, aquela que eu me dou; e uma realidade sua e de vocês, para vocês, aquela que vocês se dão - as quais nunca serão as mesmas, nem para vocês nem para mim.
E agora?
Agora, meus amigos, é preciso nos consolarmos com isto:
que a minha realidade não é mais verdadeira que a sua, e que tanto a minha quanto a sua duram só um momento.
Sua cabeça está girando um pouco? Então... então concluamos.
(passagem do livro do escritor italiano LUIGI PIRANDELLO (1867 – 1936) “Um, nenhum e cem mil”, Ed. Cosacnaify).

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