quinta-feira, 12 de março de 2009

recortes de psicoanálise


O AMOR AMADURECE NO DIVÃ


texto da psicoanalista e poeta Barbara Corsetti, apresentado na Feira do Livro de Porto Alegre, em 15 de novembro de 2008.


PARTE 2

Sim, ali onde reside um paciente sempre algo há, algo sempre há e essa é a questão. E o que há? Há o desejo sexual inconsciente reprimido infantil encoberto. Eis a criatura da psicoanálise, eis a força que pulsa no inconsciente, eis o inconsciente, a bola da vez na psicoanálise!
Pagar para que uma pessoa escute o que se tem para falar é pagar para existir. E isso significa pagar para que exista um espaço que seja seu, chamado de seu e anotado na agenda como ocupado para ser seu. Nesse lugar o psicoanalista está livre de si, está esperando por quem chegar naquele dia, tenha o nome que tiver, pois sempre é outro sujeito a cada dia.
Essa recepção do analista permite que o paciente possa chegar como vier, é o que abre as possibilidades do paciente inventar outro de si para si mesmo, sem que precise se preparar de um jeito já conhecido, sem que precise se pensar como foi ontem, sem precisar carregar as malas pesadas dos rótulos que foi e quer deixar de ser.
E esse é o ponto chave do tratamento psicoanalítico. É ali nessa trama armada pela transferência que se estabelece a possibilidade de outra vida ser construída pelo paciente. Nesse espaço aberto para que um novo sujeito apareça e que ainda não tem forma estabelecida, que não tem consistência, que não tem família, que abandona e escolhe suas ideologias, que respeita a ética de seu próprio desejo é onde a construção de um amor é possível, pelo fato de o paciente estar ali disposto a falar enquanto o analista está ali disposto a ouvir.
Freud nos disse que não importa a resistência que aconteça, quanto maior a resistência, maior também é a transferência estabelecida. E se maior for a transferência significa que mais próximos estão paciente e analista, e isso possibilita que o analista possa conversar diretamente com o inconsciente do paciente e é assim que o paciente conhece sobre si.
Quando o analista interpreta sobre o desejo inconsciente, por exemplo – quando diz que o paciente funcionou para que determinada situação acontecesse, seja ela promoção, gravidez, acidente, traição, sintoma, demissão ou uma viagem, seja o que for, é no momento em que o analista interpreta o desejo falado, e que o paciente escuta o que ele mesmo falou e de como funcionou em ato, é nesse instante que o paciente passa a ter propriedade sobre aquele ato e desde então não é mais inocente sobre si e sobre as artimanhas de seus desejos inconscientes como era antes, quando estavam reprimidos e encobertos.
Uma vez que o paciente sabe sobre o não sabido, sobre o desconhecido e que entende que o seu inconsciente atua com sentimentos primitivos, que desde a infância pululam em um caldeirão onde moram as identificações, as raivas, os ódios e os amores não lapidados, e que sem pedir licença esses sentimentos primitivos chegam nas situações mais impróprias sob formas inusitadas através das famosas crises, ou chiliques, ou desatinos, ou DRs intermináveis, seja o nome que for escolhido, ali é quando acontece uma posta em ato do inconsciente e é ali que o paciente tem a chance de construir um novo amanhã, um novo projeto e uma nova vida.
Isso do que estamos falando é como funciona o inconsciente, na linha da linguagem psicoanalítica que estuda, analise e interpreta as pulsões primitivas, são esses os sentimentos que ainda precisam ser reconhecidos pelo sujeito, trabalhados delicadamente em análise para que se transformem e alcancem o trabalho e o amor do qual Freud nos propôs.
E por que dei toda essa volta?
Foi pra te dizer melhor sobre o caminho do amor!
O amor tem um caminho longo a trilhar e que não tem fim enquanto se está vivo, somente a morte pode dizer basta ao amor, e talvez nem ela, afinal o amor fica registrado em um livro, em uma carta, em uma foto, em uma macarronada, em um filho, em uma amizade, em uma lembrança.
O amor que nasce no divã permite que o mundo cresça, que o universal apareça e que o sujeito psíquico aconteça e amadureça.

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