domingo, 5 de julho de 2009

sessão desvelada

MANUEL


Campainha.

Chega no horário, vem vestido de preto, porém elegantemente, se comporta como um sedutor, não havia notado esse jogo nele, porém, chega assim.
Se deita no divã. Toca a cortina que cai ao seu lado, brinca um pouco com isso antes de começar a falar.
- Te escuto Manuel, pode começar quando queira.
- Sim... já sei que me escuta. Gostei muito da sessão passada, me aliviei, o peito me doía tanto quando entrei, que me pareceu um milagre que a dor se transformasse em oxigênio, não sei como dizer, me abriu o peito, tinha vontade de seguir falando, tentar seguir dizendo coisas que me parece que nunca disse, nunca me escutei dizer... e não sei se é algo em particular o que tinha para dizer, porém queria seguir dizendo.Saí daqui e chamei Isabel por telefone, lhe convidei para jantar na minha casa para poder falar e falei. Ela me escutou sem me interromper, primeiro me pareceu que estava enojada de que eu, agora, em seu momento de me pedir algo mais, lhe dissesse isto: estás livre, vejamos quem somos livres desse compromisso com a morte. Eu não me deixava levar por seus estados de ânimo enquanto falava, apenas falava o que havia entendido na minha sessão. Depois me emocionei, senti que podia me despedir de meu irmão morto, senti que estava compreendendo sua maneira de morrer, sem que fosse nem minha morte, nem minha maneira de morrer, da qual não tenho idéia. Aí, ela começou a chorar em silêncio, suas bochechas estavam úmidas, as lágrimas corriam lentas, porém sem deixar de sair de seus olhos. Isabel, és generosa...
- generosa. Por que o disse?
- É generosa comigo, me deu tempo e atenção. Não quero perder essa relação, porém assim não posso mais, não é esse o caminho. Algum outro preço tenho que pagar por aquela morte.Quando morreu o irmão de minha mãe, ela sofreu muito, a mim parecia que não era para tanto, critiquei-a muito nessa época, me parecia exagerado, e como não estava feliz se nós, seus filhos, estávamos bem e a vida “nos sorria”...!!! Não podia entender... agora me lembro tanto desse momento. Na sessão passada me lembrei tanto desses momentos, é como se houvesse entrado mais vida em minha vida. Poder entender os outros, não sei como dizê-lo, porém hoje também me sinto mais generoso. A minha alma cresceu. Tenho vontade de chorar, porém não sei bem o que é essa pranto. O que sei é que não é por aquela tristeza imensa que me abraçou nestes meses. Porém queria chorar um pouco mais...
- Falar um pouco mais ... na sessão passada pediste mais sessões na semana ... quem sabe é falar um pouco mais.
- Pode ser, havia me esquecido disso, porém pode ser. Falar mais. Eu falava todos os dias com meu irmão.
- Todos os dias não o posso atender, porém uma sessão a mais por semana, poderíamos organizar.
- Sim, sim. Já não se trata de meu irmão, não??? Isso é que me está dizendo?
- Continuamos na próxima??? amanhã quarta-feira às 16?
- De acordo, até amanhã.

Marcela Villavella

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