sábado, 4 de julho de 2009

em cada vazio onde o tempo for um pulôver

AS TECEDORAS

Eu as conheço, as horríveis, as tecedoras envoltas em penugem,
em cores que crescem das mãos, do fio
até o coágulo trêmulo movendo-se na rede de dedos ávidos.
Filhas da sesta, lesmas pálidas escondidas do sol,
nas bacias deixadas nos pátios crescem seu veneno e sua paciência,
nas varandas ao anoitecer, nas calçadas dos bairros,
no espaço sujo de buzinas e lamentos de rádio,
em cada vazio onde o tempo for um pulôver.

Tecem estupidez, lágrimas e desmemoria
tecem, dia e noite tecem a roupa de baixo, tecem a bolsa onde se afoga o coração,
tecem sinos encarnados e luvas roxas para nossos joelhes.
Tece, mulher verde, mulher úmida, tece, tece,
Amontoa em tua saia matérias putrescíveis de onde brotaram teus filhos,
Essa lenta maneira de vida, esse óleo de escritórios e universidades,
Essa paixão de domingo à tarde na arquibancada.
Sei que tecem de noite, em horas secretas, levantam-se do sonho
e tecem em silêncio, nas trevas; já fiquei em hotéis
em que cada quarto às escuras era uma tecedora, manga de camisa
cinza ou branca saindo de baixo da porta; e tecem nos bancos,
atrás dos vidros embaçados, tecem nas latrinas e
nos frios leitos matrimoniais tecem de costas para os roncos,
e nossa voz é o novelo para teu tecer, aranha amor, e esse cansaço
nos cobre, agasalha a alma com ponto de cruz ponto de cadeia Santa Clara,
a morte é um tecido sem cor e o estás tecendo para nós.

Lá vem, lá vem! Monstros de nome flácido, tecedoras,
Dedicadas donas de casas nacionais, escriturárias, louras
manteúdas, pálidas noviças. Os marinheiros tecem,
as doentes cercadas de biombos tecem para a insônia,
do arranha céu descem enormes franjas de tecido, a cidade
está embrulhada em lãs que parecem vômitos verdes e roxos.

Já estão aqui, já se levantam sem falar,
somente as mãos onde agulhas brilhantes vão e vem,
e têm mãos na cara, em cada seio têm mãos, são
centopéias são centomãos tecendo num silêncio insuportável
de tangos e discursos.

(poema de Julio Cortazar do livro “Ultimo Round”, Editora Civilização Brasileira, 2008)

Um comentário:

Mara faturi disse...

Este poema é impossível de adjetivar...
belíssimo...para que eu possa expressar em palavras meu suspiro e encantamento,
amplexos!