domingo, 26 de julho de 2009

poema de bolsa

Acontecimento Heráclito


Pedi o Livro para registrar as façanhas.

A primeira: Farás o amor.
E apenas brotou o ódio.
As órbitas espaciais se encheram de olhos mortos.

A segunda: Não mentirás.
E brotou a estafa.
O homem contou seus ossos e seus nervos
e os colocou na balança para vender.

A terceira: Não cairás em idolatria.
E no dia seguinte levantaste um código de signos
no qual cada cifra era uma boca sem entranhas.
O homem se converteu num número que andava.

A quarta: Não roubarás.
E estalou a ausência.
O pão que te dei para viver se deslizava no coração
das hienas.

A quinta: Dará a mão ao necessitado.
E teus dedos se encheram de garfos.

A sexta: Não trairás o amigo.
E no dia seguinte teus desejos avançavam no ventre da mulher.
O planeta era uma matriz onde as bactérias
competiam com o homem.

A sétima: Não construirás ataúdes.
E se acenderam os semáforos negros
sobre o vazio.
A luz era um cone que recolhia as palavras.

A oitava: Não dividirás.
E em seguida instauraste as cores.
As raças extraíram suas imagens de um espelho
multiplicado.

A nona: Não violentarás teu corpo.
E no dia seguinte o cansaço pariu as invenções,
e a preguiça, a inteligência artificial.
As larvas foram o filtro que codificava o sexo,
que acionava o prazer em pequenos pontos
cujas antenas alçavam o desejo
de velhos computadores que gemiam.

A décima: Não matarás.
E nasceram a ambição, o desprezo, a alienação
e a destruição.
Os átomos copularam em vulvas de ferro que giravam
até mundos pulverizados.
Perderam seus núcleos e caíram na cadeia
enlaçando imagens
esqueletos que pregavam de seus números
fótons de outras partículas que fundiam o futuro
com o passado sem memória.

(Juan-Jacobo Bajarlia, Poema de La Creación, Editorial Grupo Cero)

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