sábado, 25 de julho de 2009

ainda que não compreendamos o seu passar

2ª noite
das espantosas histórias das mil e uma noites

Disse Sahrazad:

Conta-se ó rei venturoso e de correto parecer, que, quando o gênio, ergueu a mão com a espada, o mercador lhe disse: “Ó criatura sobre-humana, é mesmo imperioso me matar? " “E por que você não me concede um prazo para que eu possa despedir-me de minha família, de meus filhos e de minha esposa, dividir minha herança entre eles e fazer as disposições finais? Em seguida, retornarei para que você me mate”. Disse o ifrit: “ Temo que, caso eu o solte e lhe conceda um prazo, você vá fazer o que precisa e não regresse mais”. O mercador disse: “Eu lhe juro por minha honra; eu prometo e convoco o testemunho do Deus dos céus e da terra que eu voltarei para você. “O gênio perguntou: E de quanto é o prazo?”. Respondeu o mercador: “Um ano, para que eu me sacie de ver meus filhos, possa despedir-me de minha mulher e resgatar alguns títulos; retornarei no início do ano”. O gênio disse: “Deus é testemunha do que você está jurando: se eu soltá-lo voltará no início do ano”. O mercador respondeu: “Invoco a Deus por testemunha do que estou jurando”. E quando ele jurou, o gênio soltou-o. Triste, o mercador subiu na montaria e tomou o caminho de casa. Avançou até chegar à sua cidade; entrou em casa, encontrando os filhos e a esposa. Ao vê-los, foi tomado pelo choro com lágrimas abundantes, demonstrando aflição e tristeza. Todos estranharam aquele seu estado, e sua esposa lhe perguntou: “O que você tem, homem? Que choro é esse? Nós hoje estamos felizes, num dia de júbilo por sua volta. Que luto é esse?. Ele respondeu: “E como não estar de luto se só me resta um ano de vida?, e a colocou a par do que se passara entre ele e o gênio durante a viagem, informando a todos que ele jurara ao gênio que regressaria no início do ano para que este o matasse.
Disse o autor: ao lhe ouvirem as palavras, todos choraram.
A esposa começou a bater no próprio rosto e a arrancar os cabelos; as meninas, a gritar; e os pequenos, a chorar. O luto se instalou, e durante o dia inteiro as crianças choraram em redor do pai, que passou a dar e a receber adeus. No dia seguinte, ele iniciou a partilha da herança e se pôs a ditar recomendações, a quitar seus compromissos com os outros, e a fazer concessões, doações e distribuição de esmolas. Convocou recitadores para que recitassem versículos religiosos pelo seu passamento, chamou testemunhas idôneas, libertou servas e escravos, pagou os direitos dos seus filhos mais velhos, fez recomendações quanto aos seus filhos mais moços e quitou os direitos de sua esposa. E permaneceu junto aos seus até que não faltassem para o ano-novo senão os dias do caminho a ser percorrido, quando então se levantou, fez abluções, rezou, recolheu sua mortalha e despediu-se da família; os filhos se penduraram em seu pescoço, as meninas choraram ao seu redor e sua esposa gritou. O choro deles fez-lhe o coração fraquejar, e seus olhos verteram lágrimas copiosas. Pôs-se a beijar freneticamente os filhos, a abraçá-los e a despedir-se deles; disse: “Meus filhos, esta é a decisão de Deus; tais são seus desígnios e decretos . E o homem, afinal, não foi criado senão para a morte.” E, dando um último adeus, deixou-os, subiu em sua montaria e avançou por dias e noites seguidos até chegar ao oásis em que encontrara o gênio, exatamente no dia de ano novo. Sentou-se no mesmo lugar onde comera as tâmaras e começou a esperar pelo gênio, com os olhos marejados e o coração triste. Em meio a essa espera eis que passou por ele um velho xeique que puxava uma gazela pela corrente. Aproximou-se e saudou o mercador, que lhe retribuiu a saudação. O xeique perguntou: “Por que motivo você está aqui, meu irmão, neste lugar que é moradia de gênios rebeldes e de filhos de demônios? Eles tanto assombraram esse lugar que quem aqui adentra nunca prospera”. Então o mercador contou tudo o que lhe sucedera com o gênio, do início ao fim, e o velho xeique, espantado com a fidelidade do mercador aos seus compromissos, disse;” Você de fato leva muito a sério e cumpre suas juras”. E, sentando-se ao seu lado, ajuntou: “Por Deus que não me moverei daqui até ver o que lhe ocorrerá com o gênio”. Assim, sentado ao seu lado, pôs-se a conversar com ele. Enquanto estavam nessa conversa eis que...

(Livro das Mil e Uma Noites, Volume I – ramo sírio, Editora Globo)

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