Morelliana.
Por que escrevo isso? Não tenho idéias claras, nem sequer tenho idéias. Há trapos, impulsos, bloqueios, e tudo procura uma forma, então entra em jogo o ritmo, e escrevo dentro desse ritmo, escrevo por ele, movido por ele e não pelo que chamam de pensamento e que faz a prosa literária ou outra. Há primeiro uma situação confusa, que mal se pode definir pela palavra; é dessa penumbra que eu parto, e, se aquilo que quero dizer (se aquilo que quer dizer-se) tiver força suficiente , o swing começa imediatamente, um oscilar rítmico que me traz para a superfície, que ilumina tudo, que conjuga esta matéria confusa e o que a padece numa terceira instância, clara e como que fatal: a frase, o parágrafo, a página, o capítulo, o livro. Esse oscilar, esse swing no qual se vai informando a matéria confusa, é a única certeza, para mim, da sua própria necessidade, pois, tão logo cessa, compreendo que já nada mais tenho para dizer. É também a única recompensa do meu trabalho: sentir que aquilo que escrevi é como dorso de um gato sob a carícia, com fagulhas e um arquear cadencioso. Assim, pela escritura, desço ao vulcão, aproximo-me das Mães, entro em contato com o Centro, seja o que for. Escrever é desenhar a minha mandala e, ao mesmo tempo, percorrê-la, inventar a purificação, purificando-se; tarefa de um pobre xamã branco com cuecas de náilon.
(O jogo da amarelinha, Julio Cortázar, Círculo do Livro S.A)
Por que escrevo isso? Não tenho idéias claras, nem sequer tenho idéias. Há trapos, impulsos, bloqueios, e tudo procura uma forma, então entra em jogo o ritmo, e escrevo dentro desse ritmo, escrevo por ele, movido por ele e não pelo que chamam de pensamento e que faz a prosa literária ou outra. Há primeiro uma situação confusa, que mal se pode definir pela palavra; é dessa penumbra que eu parto, e, se aquilo que quero dizer (se aquilo que quer dizer-se) tiver força suficiente , o swing começa imediatamente, um oscilar rítmico que me traz para a superfície, que ilumina tudo, que conjuga esta matéria confusa e o que a padece numa terceira instância, clara e como que fatal: a frase, o parágrafo, a página, o capítulo, o livro. Esse oscilar, esse swing no qual se vai informando a matéria confusa, é a única certeza, para mim, da sua própria necessidade, pois, tão logo cessa, compreendo que já nada mais tenho para dizer. É também a única recompensa do meu trabalho: sentir que aquilo que escrevi é como dorso de um gato sob a carícia, com fagulhas e um arquear cadencioso. Assim, pela escritura, desço ao vulcão, aproximo-me das Mães, entro em contato com o Centro, seja o que for. Escrever é desenhar a minha mandala e, ao mesmo tempo, percorrê-la, inventar a purificação, purificando-se; tarefa de um pobre xamã branco com cuecas de náilon.
(O jogo da amarelinha, Julio Cortázar, Círculo do Livro S.A)
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