quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009


Morelliana.

Por que escrevo isso? Não tenho idéias claras, nem sequer tenho idéias. Há trapos, impulsos, bloqueios, e tudo procura uma forma, então entra em jogo o ritmo, e escrevo dentro desse ritmo, escrevo por ele, movido por ele e não pelo que chamam de pensamento e que faz a prosa literária ou outra. Há primeiro uma situação confusa, que mal se pode definir pela palavra; é dessa penumbra que eu parto, e, se aquilo que quero dizer (se aquilo que quer dizer-se) tiver força suficiente , o swing começa imediatamente, um oscilar rítmico que me traz para a superfície, que ilumina tudo, que conjuga esta matéria confusa e o que a padece numa terceira instância, clara e como que fatal: a frase, o parágrafo, a página, o capítulo, o livro. Esse oscilar, esse swing no qual se vai informando a matéria confusa, é a única certeza, para mim, da sua própria necessidade, pois, tão logo cessa, compreendo que já nada mais tenho para dizer. É também a única recompensa do meu trabalho: sentir que aquilo que escrevi é como dorso de um gato sob a carícia, com fagulhas e um arquear cadencioso. Assim, pela escritura, desço ao vulcão, aproximo-me das Mães, entro em contato com o Centro, seja o que for. Escrever é desenhar a minha mandala e, ao mesmo tempo, percorrê-la, inventar a purificação, purificando-se; tarefa de um pobre xamã branco com cuecas de náilon.

(O jogo da amarelinha, Julio Cortázar, Círculo do Livro S.A)

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