sábado, 14 de fevereiro de 2009

fala cine

A VIDA AO REVÉS

(comentário da poeta e psicoanalista Lúcia Bins Ely ao filme
O Curioso Caso de Benjamin Button, de David Fincher)

O Curioso Caso de Benjamin Button realiza a fantasia de inverter o curso natural da vida humana. Benjamin nasce “velho” e, à medida que o tempo passa, seu corpo rejuvenesce.
Me impactou o filme não apresentar o que gostaríamos de ver: a superação do envelhecimento, da morte... . Justamente a obra demonstra que as questões básicas do humano seguem ainda que se altere o curso biológico da existênca, invertendo-se o envelhecimento pelo tornar-se cada vez mais jovem. Apesar desta invenção/inversão, a vida humana segue sendo finita: como todo homem, Benjamin é mortal (morre bebê, no colo de sua ex-mulher – mãe de sua filha- mas morre!). Benjamin sofre os reveses pela passagem do tempo, mesmo que rejuvenesça as transformações ocorrem, e essas lhe causam impacto. Exemplo disso é quando o personagem diz se sentir diferente de um dia para o outro, quer dizer, as mudanças ocorrem e ele as vive. E por outro lado, apesar de ter nascido muito diferente, há aquelas coisas do humano das quais nem assim escapa, tais como, a morte, a perda de pessoas amigas, a sexualidade.
Contudo, por mais diferentes que nos pensemos, há aquilo em que somos semelhantes aos outros humanos. As semelhanças são que nascemos de pai e mãe (de um ato sexual), somos mortais e que alguém nos humanizou.
Miguel Oscar Menassa nos fala da maior ferida narcísica do humano que é saber que o mundo existia antes de “eu” nascer, e que tudo (o mundo, a cultura) vai continuar depois de “minha” morte. Menassa também diz (no livro: Freud e Lacan – Falados – 1, do Editorial Grupo Cero) que um ser humano é aquele que vai morrer e ainda assim faz algo que possa servir a outros. Podemos pensar que Benjamin fez uma opção desse tipo no momento em que abre mão de sua convivência diária com a filha para deixar que outrem fizesse a função de pai para ela. Todavia é neste ato que o próprio Benjamin opera a função paterna, pois provê a vida da filha deixando-lhe, inclusive, os bens materiais que tem em seu nome e no nome da mãe desta. E, mais importante, a distância espacial que se inaugura entre eles é rompida pela escritura já que, a partir daí, deixa junto a seu diário, cartões postais com escritos dedicados à filha. É justo este ato que o faz perseverar na função paterna.
O pai para esta filha, é um pai que escreve. Ela o conhece através de sua escritura.
O filme nos faz cair na real da condição humana: as limitações de cada um – o inexorável da mortalidade.
Benjamin Button, esse estranho sujeito que viveu a inversão do tempo, não deixou de padecer de seus vieses, rejuvenescendo também foi perdendo algo... Benjamin, como todo o sujeito, era falho.

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