sexta-feira, 19 de junho de 2009

traduceiro

“ÁGUA EM ÚLTIMA INSTÂNCIA”


“Lembro vivamente um acontecimento dos primeiros anos. Talvez tu também te lembres. Uma noite eu pedia em forma plangente, incessante, que me dessem água; certamente, não era pelo fato de eu ter sede, mas em parte talvez para incomodar e em parte divertir-me. Depois de não ter surtido efeito algumas ameaças violentas, tiraste-me da cama, levaste-me à varanda e ali me deixaste um instante, em camisola, sozinho diante da porta fechada. Não pretendo dizer que isso era mau, talvez nesse momento realmente não se podia conseguir de outro modo tranquilidade durante a noite, mas desejo tomá-lo como exemplo para caracterizar teus métodos educativos e a influência destes sobre mim. Sem dúvida, depois fui obediente, mas sofrera um trauma interior. Nunca pude estabelecer, em relação com minha natureza, a conexão correta entre o evidente para mim do absurdo pedir água e o extraordinariamente terrível de me levarem para fora. Contudo, anos depois sofri diante da imagem atormentadora do homem gigantesco, meu pai, a última instância, que podia, quase sem motivo, vir de noite, tirar-me da cama, levar-me à varanda, e que, portanto, até esse ponto eu nada significava para ele.

(Franz Kafka, Carta a meu pai, livraria exposição do livro, tradução de Torrieri Guimarães, p. 17)

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