domingo, 28 de junho de 2009

sessão desvelada

MARCOS


Campainha...

- Olá Ana, te liguei para trocar de horário, queria vir antes... comecei a entender algumas coisas que preciso analisar ... posso me deitar?
- Sim, claro, deita-te!!!
- Estive pensando que não tenho motivos nem para me matar nem para matar outros.
- E que motivos querias ter?
- Como é que me perguntas isso?? Claro que não tenho motivos, porém, como é que vou matar sem motivos, sem odiar a ninguém, sem ter problemas econômicos, sem estar numa encruzilhada sentimental entre minha mulher e outra, não tenho em vista nenhuma enfermidade que me ponha em risco e não suporte agüentar até o final, ninguém me disse que deveria apressar algo, produzir algo
- Que quer produzir, te escuto.
- Não sei. Nada, mas estou atormentado, tenho uma espécie de indiferença, e horror, em todas as coisas. Mas tampouco sei se é isso... ontem li no jornal uma notícia que me atormentou mais: 3 jovens assassinados num descampado, mataram os 3 a sangue frio e não se conhecem os motivos... isso me atormentou... algum motivo deve haver... como vão matar esses jovens só por que sim... como um jogo? ... Há um jogo da morte não??
- Não sei, me conta o que pensaste?
- Um jogo como o da roleta russa, parecido, algo onde alguém morre por jogar ... nem apostam dinheiro, nem nada, claro, se paga com uma vida.
- Todos pagamos com a vida a vida.
- Sim, mas isso é o normal, por que não poderei pensar normal?? Quando eu era pequeno meu velho dizia: somos uma família normal... e normais não éramos, depois dizia: Não podemos viajar tão seguido por que somos pobres... e éramos mais ricos que todos os do bairro e viajávamos à Europa todos juntos uma vez ao ano e à nossa casa de praia todos os verões e os finais de semana à quinta dos Manzanares... vivemos confusos... agora estou vivo, quem sabe até apaixonado por minha mulher, amo meus filhos e estamos mais vivos que nunca, ando transtornado acreditando que vou morrer ... medroso em demasia.
- “ O amor que havia nos privado de coisas imortais...”
- O que disseste? Como é isso?
- Me lembrei desse poema
- Sim, mas como é?? Não entendo Ana: O amor priva de coisas imortais?? Não sei o que tu queres me dizer, mas estou muito impactado... posso ir?
- Sim, nos vemos amanhã
- Obrigada, até amanhã.


Marcela Villavella

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