quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

LENDO OS GRANDES POETAS


POEMA 35

É um momento de criação infinita,
me disse, estou a ponto de morrer.

Enquanto isso gozava pouco ou mais ou menos
a vida com ela era um idílio de sonhos,
tínhamos grandes peleias, sobretudo,
no dia depois
de haver gozado com exagero.

À noite, que trepada! Santo Deus!
Na manhã seguinte, propriamente, o calvário.
No princípio, sempre queria matá-la
até que um dia pude compreender
que era seu gozo o que a matava.
Cada vez que me causava dano
eu, em vinganço, a fazia gozar.

O gozo me sobressalta, não posso evitar,
primeiro sofreo porque sinto que vou morrer,
depois, quando me encontro relaxada e tranquila,
toda viva, sofro porque algum humano me salvou.
O ódio mais profundo sinto
quando me dou conta que devo tudo a ele,
um dia, ele me disse:
vagina funcionará, e vagina uncionou.
Depois, na metade de uma trepada,
me disse com ternura: a mulher deve poder
dizer toas as suas coisas, escrevê-las,
fazer de suas coisas a história da mulher,
de nosso tempo, de nosso mundo.
Depois, me ensinou a amar o trabalho
e ontem à noite me disse: já és livre.
Já sabes escrever, amar e trabalhar
e isso é o que necessita uma mulher
para poder produzir sua própria liberdade.

Escrever para que seja possível a vida.
Amar para poder construir o mundo
no qual haveremos de viver, pensar
e trabalhar para que símbolo e carne
não possam se confundir nunca mais.

Me encanta, disse ela com indolência, a vida
que me propões antes de me abandonar.
E não te perguntaste que, talvez,
prefiro escrever a história de nosso amor
que foi longínquo e impossível
e com o amor seguir insisteindo
ainda que nada se possa de todo ou vem,
e trabalhar só para poder te comprar.

A mim, para dizer a verdade, lhe disse,
não me importam muito os motivos
nem quem haverá de se beneficiar
com o que possas produzir.
Só quero que experimentes
essa virtude do homem
de poder, com suas mãos,
modificar o mundo.

E quanto à poesia e ao amor,
se fosses capaz de entender
a força do trabalho,
te daria plena liberdade.
Podes escrever melhor que eu, se o desejas,
e podes me amar tanto quanto queiras.
E se não és capaz de tant liberdade
podes escrever pior que eu
e podes amar outros amores
ou condenar-te a viver com os enforcados
ou encerrar-te em teu quarto,
limpando os colares e os arinhos de ouro
e passando a blusinha azul e branca
que tua mãe usava antes de morrer.
Também podes, se queres,
romper todos mes beijos,
queimar todas as cartas,
fazer picadinhos dos bordados do tempo
e começar, sozinha, desde o começo,
tudo de novo.

Miguel Oscar Menassa (Buenos Aires, 1940)
do Livro: La Mujer y yo

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