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quarta-feira, 12 de maio de 2010

LENDO OS GRANDES POETAS

MATÍN FIERRO (continuação do Canto I)

8.


Estando no chão da várzea
a cantar um argumento,
como se soprasse o vento
faço tremerem os pastos;
com ouros, copas e bastos,
jogo ali meu pensamento.

9.

Cantor letrado não sou,
mas se me ponho a cantar
meu canto não tem final
e fico velho cantando:
os versos me vão brotando
qual água em manancial.

10.

Com a guitarra na mão,
ninguém me entorpece a rima
ou pode me olhar de cima;
e, se há no peito a canção,
eu faço gemer a prima,
faço chorar o bordão.

11.

Touro sou em meu rodeio,
touraço em rodeio alheio,
pois jamais tive receio:
se alguém o quiser provar,
saiam outros a cantar
e hão de ver quem vai ganhar.

12.

Não saio da rota, nem
que venham me atropelando;
com os brandos eu sou brando
e com os duros sou duro;
jamais em qualquer apuro
ninguém me viu vacilando.

13.

Por Cristo que, no perigo,
meu coração mais se atila:
a terra é várzea tranqüila
e não se assombre ninguém,
pois quem por homem se tem
faz pé firme e não vacila.

14.

Sou gaúcho, e entendam bem
como a minha I íngua explica:
pra mim o chão não se estica,
podia ser bem maior;
nem a víbora me pica,
nem me queima o rosto o sol.

15.

Nasci como nasce o peixe
na profundeza do mar;
ninguém me pode tirar
aquilo que Deus me deu
— o que tenho aqui de meu,
do mundo eu hei de levar.

16.

Minha glória é viver livre
como o pássaro no ar;
no chão não vou me aninhar,
onde há tanto que sofrer,
e ninguém me há de seguir
quando eu voltar a voar.

17.

No meu coração não cabe
quem me venha com querelas
como tantas aves belas
que saltam de rama em rama:
no treval estendo a cama
e me cobrem as estrelas.

18.

E saibam, quantos escutem
do meu sofrer o relato,
que não guerreio nem mato
senão por necessidade;
rolei na adversidade,
tangido pelo mau trato.

19.

E atentem na relação
de um gaúcho perseguido
que foi bom pai e marido
empenhado e diligente;
entretanto, muita gente
o considera um bandido.

José Hernández (Província de Buenos Aires, 10 de novembro de 1834)
do Livro: Martín Fierro
(tradução de: Leopoldo Jobim)

domingo, 9 de maio de 2010

LENDO OS GRANDES POETAS


MARTIN FIERRO



CANTO I


1.


Aqui me ponho a cantar
ao compasso da viola,
que o ser a quem desconsola
uma dor extraordinária,
como a ave solitária,
cantando é que se consola.


2.


Imploro aos santos do céu
que amparem meu pensamento;
peço que, neste momento
em que canto minha história,
me refresquem a memória
e aclarem o entendimento.


3.


Venham, santos milagrosos
cada um que me ajude:
minha lingua se desgrude
e nada me turve a vista;
peço ao Senhor que me assista
em ocasião tão rude.


4.

Conheço muitos cantores
de famas bem construídas
e que, uma vez adquiridas,
não as podem sustentar:
como se antes de largar
já cansassem das partidas.


5.


Onde outro paisano passa,
Martin Fierro há de passar:
nada o fará recuar,
nem os fantasmas o espantam.
E, uma vez que todos cantam,
também eu quero cantar.


6.


Cantando quero morrer,
cantando me hão de enterrar,
e cantando hei de chegar
à porta do Padre Eterno;
pois desde o ventre materno
vim ao mundo pra cantar.


7.


Não se prenda minha lingua
e nem me falte a palavra:
minha glória o canto lavra
e, se me ponho a cantar,
cantando me hão de encontrar
ainda que o chão se abra.



José Hernández (Província de Buenos Aires, 10 de novembro de 1834)
do Livro: Martín Fierro
(tradução de: Leopoldo Jobim)

(continuará)