terça-feira, 28 de junho de 2011

LENDO OS GRANDES POETAS

PANORAMA CEGO DE NOVA YORK
(continuação)

Não, não são os pássaros.
Não é um pássaro o que expressa a turva febre da laguna,
nem a ansia de assassínio que nos oprime a cada momento,
nem o metálico rumor de suicidio que nos anima a cada madrugada.
É uma cápsula de ar onde nos dói o mundo todo,
é um pequeno espaço vivo ao louco uníssono da luz,
é uma escada indefinível onde as nuvens e rosas olvidam
à gritaria chinesa que ferve no desembarcadouro do sangue.
Eu muitas vezes me perdi
para buscar a queimadura que mantém despertas as coisas
e só encontrei marinheiros atirados sobre as varandilhas
e pequenas criaturas do ceu enterradas sob a neve.
Mas a verdadeira dor estava em outras praças
onde os peixes cristalizados agonizavam dentro dos troncos;
praças do céu estranho para as antigas estátuas ilesas
e para a terna intimidade dos vulcões.

Não há dor na voz. Só existem os dentes,
mas dentes que calarão isolados pelo raso negro.
Não há dor na voz. Aqui só existe a Terra.
A terra com suas portas de sempre
que levam ao rubor dos frutos.

FEDERICO GARCIA LORCA (Granada, 1898 - Granada, 1936)
do Livro:  "Poeta em Nova Iorque"

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