quarta-feira, 8 de setembro de 2010

APRESENTAÇÃO do livro RELICARIO

Eliane Marques

Editorial Grupo Cero

fotos: Iria Boufleur

Hoje é um dia especial para o Editorial Grupo Cero Internacional e em especial para o Grupo Cero Brasil, porque depois de mais de 40 anos editando livros em espanhol, hoje apresentamos o terceiro livro publicado no idioma português.


Se abre para todos e neste caso através da poesia, uma possibilidade inédita, que as linguas se articulem como numa torre de Babel construída de palavras que ao serem tocadas pela poesia, não se separam nem se dispersam como na construção da mítica torre, senão que ao contrario, fazem livros.

Um relicario é uma caixa ou estojo onde amorosamente se guardam reliquias ou lembranças, se guarda algo que esteve perto do corpo de alguém especial, cabelos de um ser amado, dentes de leite tirados de um bebê, uma foto antiga que por algum motivo e por ser parte de um corpo se fizeram dignos de veneração.

Em um relicario se guardam coisas que só tem valor sentimental para alguém. Quiçás todo livro de poesia seja um Relicario.

Ao abrir este Relicario construído de poemas, nos damos conta que como tal é um livro misterioso, quiçás como o é todo relicario. Quem vê o conteúdo não chega a apreciar o valor do que há dentro até que saiba algo de sua historia.

Por que se guardaram esses dentes, por que essa mecha de cabelo, a quem pertenciam?… Recém aí, fazendo a reliquia falar começamos a formar parte do misterio.

Relicario é o primeiro poemario individual de Eliane Marques, uma autora cheia de historias para contar, mas essas historias só aparecem em forma de poesia.

A apresentação de um livro de poemas é uma chance de fazer os poemas dizer algo que o poema em si mesmo não tem desejo de dizer.

Um relicario se aprecia de fora para dentro. Tem uma beleza que guarda outra beleza mais subjetiva, ou mais verdadeira, mais íntima que a que é capaz de mostrar-se.



Como dizia antes, quiçás todos os livros de poesia são relicarios, guardam um segredo indecifrável, até que alguém se arrisca e os abre e os lê sem querer entender o que estão dizendo, somente se deixando tocar pela profundidade desse enigma.

Li e reli este livro muitas vezes, e posso assegurar que nele há um segredo guardado.

Comecemos por sua forma exterior:

Um rosto escondido detrás de pétalas, pinceladas de sangue, vida que nos mira.

Em seu interior: palavras. Poemas organizados em 4 capítulos:

Iscas da morte

coisas de bruxaria

andar sem ceu

heranças



Mas insisto, estamos frente a um livro de poesias e para entrar nele, temos que fazê-lo sem sapatos, sem roupa pesada e sem preconceitos… a um livro de poesia há que entrar leve, para que as palavras nos organizem outra realidade, com as leis secretas que nos governam nos sonhos.

A meu entender um dos segredos deste livro é ler de trás para frente, começar pelas heranças que a autora reconhece que são quem habilitam a escritura do Relicario.

Federico García Lorca, Nelson Rodriguez, Oliverio Girondo, Gregory Corso, Allen Ginsberg, Marcel Proust, Miguel Menassa, Borges, Silvia Plath… são os motores que a poeta liga, para escrever.

A escritura de Eliane tem uma bandeira a defender: põe a mirada nas brechas da vida, as perfura, chega decidida a mirar com olhos de menina, que está escondida debaixo de uma mesa desde onde mira absorta como o mundo se desenvolve inexplicável e simples, também para ela.

E o que diz? O que nos diz? Por que entrega seu Relicario para que todos possamos abrir e descobrir suas reliquias?

Estas perguntas me convocam.

Eliane tomou uma decisão. Põe dentro do Relicario seus proprios olhos, para que vejamos junto a ela onde sangra a vida, onde se desnuda a dor, onde se suicida a morte.

Sua intenção não é desentranhar os segredos que escreve, sua intenção é alimentá-los como se fossem animaizinhos, até que cresçam em seu misterio.

Fala pouco do amor, mas sabemos que dentro do relicario há um objeto de amor, quando o nomeia, o amor rivaliza com o natural: O amor para a poeta está nas raízes, na rosa, nas laranjas, nos ramos de alecrim, na fome, nas rugas, no frio, no fogo.

Diz da dor: o sofrimento é sonâmbulo e um sonho dissipa uma dor do corpo. Há nesses versos uma sabedoria: O sonho é outra vida à qual há que se entregar para viver mais.

A morte é uma senhora que passeia no Relicario, ela está nas lágrimas de um pássaro, nos instantes, no dormir, nos beijos, no porão, nos rios, no ar, no sonho, em tudo está a morte, no proprio dormir.

A morte é uma das insistencias da autora, se apresenta em cada poema como o resto natural do amor. Está em todas as coisas e o tempo todo. O único lugar em que a morte não está é nos cemiterios.

Os cemiterios para a autora, são espaços tão falsos como os parques de diversões.

Há uma sabedoria dizia, porque na vida está o amor e a morte.

Este é seu primeiro livro, mas me arrisco a comparar seu Relicario com os contos do narrador mexicano Guillermo Arriaga, que seduz ou repreende à morte para que fale, para que saia dos retratos, quebre o silencio, se pronuncie, perda a máscara e seja viva presença na beira do mundo.

Recomendo-lhes que leiam este livro de poemas, para aceder a uma poesia diferente, para ver a realidade com outros olhos, e sobretudo, por aquilo que disse no começo da apresentação, que num relicario se guardam coisas que somente tem valor sentimental para alguém.

Um relicario é uma caixa ou um estojo onde amorosamente se guardam reliquias ou lembranças, se guardam coisas que estiveram perto do coração, e por ser parte de um corpo se fizeram dignas de veneração.



Quiçás todo livro de poesia seja um Relicario. Gracias



Marcela Villavella



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